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Pelas ruas de Berlim: Stolpersteine

Salve!

 

Caminhando pelas ruas de Berlim, não se pode deixar de notar as Stolpersteine (no singular: Stolperstein). 

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Foto: “Pedra-obstáculo em Berlim. Axel Mauruszat – Obra do próprio”. Wikimedia Commons.

Elas estão por tudo e marcam lugares onde viveram ou trabalharam vítimas da discriminação, perseguição, deportação e extermínio das minorias. A maior parte das Stolpersteine lembra a vida de vítimas do Holocausto, mas existem também Stolpersteine que homenageiam os ciganos Sinti e Roma, integrantes da resistência política ou religiosa, homossexuais, Testemunhas de Jeová e pessoas declaradas “anti-sociais”.

Tive a sorte de presenciar a instalação de algumas delas na nossa vizinhança. A cerimônia de entrega das Stolpersteine é anunciada assim:

Convite para a entrega de dez Stolpersteinen na vizinhança, que tive a sorte de encontrar na porta de casa. Foto: direto do celular da Helga.

Convite para a entrega de dez Stolpersteine na vizinhança, que tive a sorte de encontrar na porta de casa. Foto: direto do celular da Helga. Berlim, 11 de maio de 2016.

Pego no ato: o artista Gunter Demnig, instalando Stolpersteine desde 1996. Em maio deste ano, quando esta foto foi tirada, o projeto completa 20 anos.

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O artista Gunter Demnig instala as Stolpersteine dos Klausner. Feuerbachstraße 13, Berlim. 12 de Maio de 2016. Foto: direto do celular da Helga, esta que vos escreve.

 

Para quem pára e pensa, as Stolpersteine são uma janela interessantíssima para o passado. Imagine a sorte grande de um genealogista, ao encontrar o nome de um antepassado em uma dessas pedras de metal. De uma certa forma, lendo o destino de cada representado em uma Stolperstein, imagina-se o drama impensável de uma era.

Os destinos mais surpreendentes se revelam, desde famílias que acabaram exterminadas por completo em algum campo de concentração, até famílias que escaparam com todos os seus integrantes, e todas as possibilidades pensáveis entre estes extremos. Vislumbra-se o absurdo doloroso de tantas famílias separadas, nas quais alguns entes encontraram, por mais difíceis e perigosos que fossem, seus meios de fuga, enquanto outros, sem a sorte ao seu lado, não.

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jiji

Recém instaladas no cimento fresco, as Stolpersteine costumam ser adornadas de flores no primeiro dia. Feuerbachstraße 13, Berlim. 12 de Maio de 2016. Foto: direto do celular da Helga, esta que vos escreve.

Acima, os Klausner – Feuerbachstraße 13, Berlim

Markus e Ester Klausner, ambos com cerca de 68 anos em 1942, foram naquele ano deportados e assassinados no campo de concentração de Treblinka, no leste da Polônia. Um ano depois, em 1943, duas pessoas que parecem ser seus filhos, com cerca de 42 e 30 anos, foram deportados e assassinados em Auschwitz.

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Mais adiante, no mesmo momento, estavam recém instalados

A família Buck, Siegfried Kniebel e Minna Epstein – Feuerbachstraße 9, Berlin

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Feuerbachstraße 9, Berlim. 12 de Maio de 2016. Foto: direto do celular da Helga, esta que vos escreve.

Cada um dos três integrantes da família Buck teve um destino diferente. Pai e filho, judeus de origem polonesa, com 53 e 15 anos, foram expulsos na “Polenaktion” em outubro de 1938. Os deportados não foram aceitos na Polônia, deixando-os em uma terra de ninguém no extremo leste da Alemanha por vários meses. Somente em 1939 o filho obteve um meio de transporte para menores (Kindertransport) para a Inglaterra. O pai conseguiu retornar e fugir para a Itália, e finalmente para a França, em 1940, permanecendo vivo, mas vivendo em segredo. A mãe escapou para a França, mas foi detida no campo de deportação Drancy durante a ocupação nazista, sendo deportada e assassinada em Auschwitz em 1942, com cerca de 48 anos.

Siegfried Kniebel foi prisioneiro no campo de concentração Sachsenhausen em 1938, sozinho, aos 55 anos. Deportado para Auschwitz em março de 1943, e assassinado no mês seguinte, aos 60 anos.

Minna Epstein, casada ou viúva, foi deportada sozinha para o campo de concentração de Riga (Letônia) em 1942, e assassinada após 3 dias, aos 53 anos.

 

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As Stolpersteine estão espalhadas pelo mundo e são consideradas o maior monumento descentralizado do mundo.

Às vezes, a beleza de lembrar deixa um gosto amargo.

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Um pequeno grupo homenageia

Um pequeno grupo homenageia os 5 nomes. Feuerbachstraße 9, Berlim. 12 de Maio de 2016. Foto: direto do celular da Helga, esta que vos escreve.

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Update

Das Stolpersteine por que passo todos os dias, essas são as que primeiro notei:

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Stolpersteine da família Glasstein: pai e mãe, aos 39 anos, e filho, aos 12 anos, escaparam juntos para a Palestina, em 1934. Eu tive uma foto dessas pedras no dia da instalação, que misteriosamente se perdeu. Kreuznacherstraße 9, Berlim – em 27 de maio de 2016. Foto: direto do celular da Helga, esta que vos escreve.

– – – ♥ – – –

Att,

helga~Helga.

Um olhar sobre Estocolmo

Salve!

Esta é uma entrevista sobre o espaço urbano de Estocolmo…

que respondi por escrito ao amigo Ricardo Romanoff. A publicação original está aqui. É preciso dizer que o texto foi editado, corrigido e atualizado ortograficamente por um profissional da escrita – coisa que eu não sou…

*Nota (i): Foi usado meu nome mundano (Ana Rocha) ao invés do meu nome virtual Helga, que considero ser o meu nome de lazer : )

••Nota (ii): Fico devendo um post com minhas impressões mais pessoais da cidade. Um dia, minha filha talvez queira ler ; )

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Ana, durante o período em que você viveu em Estocolmo, o que mais chamou atenção na relação das pessoas com o espaço urbano?

Chamam atenção a liberdade de ir e vir, a facilidade de acesso à natureza, o respeito pelos espaços públicos e um sentimento de propriedade coletiva, implicando tanto direitos como deveres. Numa esfera menos óbvia, aos poucos percebi vários paralelos entre a cultura da Suécia e a organização da cidade. Para citar apenas um deles, a tensão entre o conservador e o vanguardista se manifesta na vida social, assim como na arquitetura. Podemos por exemplo citar Gamla Stan e Sergels Torg: o centro medieval e o centro modernista. Sergels Torg, em seu estilo internacional, foi a modernização radical de uma área preexistente. A charmosíssima Gamla Stan estava na mira da reconstrução total desde o oitocentos, mas a persistente resistência popular evitou a sua completa remodelação até ser declarada patrimônio histórico, em 1980. O conflito social entre a tradição e o desejo de modernizar está, então, também representado no espaço urbano.

 

 Acima: Gamla Stan e Sergels Torg.

De que forma você acha que a arquitetura e o planejamento urbano da cidade favorecem trocas entre os habitantes?

Estocolmo, como qualquer grande cidade europeia, oferece grande variedade de espaços públicos e equipamentos urbanos que buscam facilitar o convívio, tais como parques, mercados, zonas pedonais, centros de lazer, teatros, museus, arenas e centros culturais, para citar alguns. A maioria destes está nas zonas mais centrais da cidade. Mas se nos voltamos para os subúrbios de Estocolmo, que é a realidade da maioria dos moradores, dois aspectos do planejamento urbano são notáveis, um pelo fracasso, outro pelo sucesso.

Começando pelo negativo, a criação de subúrbios inteiros dedicados à moradia de exilados políticos estrangeiros, estratégia abertamente criticada na sociedade, agravou a segregação cultural preexistente e ainda é uma questão a ser resolvida. Mas um aspecto excelente do planejamento urbano é a inserção sistemática de bibliotecas públicas em cada vizinhança. Qualquer morador de Estocolmo está próximo de uma biblioteca que não só armazena livros, mas oferece espaços de reunião, livre acesso à internet e vastas coleções de toda sorte de mídia. Amigos, colegas ou estranhos ligados por um grupo de interesse podem se encontrar em bibliotecas, pequenas ou grandes, centrais ou suburbanas.

Maquete de Estocolmo, exposta na Kulturhuset.

Maquete de Estocolmo, exposta na Kulturhuset (Casa da Cultura). Usada na divulgação da publicação original nas redes sociais.

Como é a experiência de viver em uma cidade formada por ilhas?

Como as ilhas são muito bem conectadas por várias formas de locomoção urbana, não há problemas, só vantagens. A navegação é, claro, muito favorecida, oferecendo a conexão entre ilhas por via fluvial, rotas turísticas, viagens para os arquipélagos e até cruzeiros internacionais, espalhados por vários portos e píeres. As opções de lazer são muitas, e assim os esportes como paddleboarding, caiaque, remo, pesca e os banhos de sol não são nada incomuns. O acesso às águas está ao alcance de todos: por exemplo, em um apartamento onde morei, em Södermalm, a vaga para um barco no píer mais próximo já estava incluída no aluguel; já uma permissão para estacionar um carro na rua da frente, não. Eu passava por pontes com vistas maravilhosas todos os dias, podia passar a hora do almoço em um agradabilíssimo bar flutuante ou simplesmente sentada saboreando a vista no passeio à margem d’água, como fiz muitas vezes. Não poderia dizer outra coisa senão o seguinte: que, para mim, viver nas ilhas no encontro das águas do mar báltico e do lago Mälaren foi de uma irrecontável beleza.

O design escandinavo é conhecido no mundo todo. De que forma ele está presente no dia a dia da cidade?

A massificação do design de boa qualidade – se não exatamente inovador ou genial – é a grande contribuição da Suécia, mais notadamente no mobiliário e na moda. A democratização do bom design, viabilizada pelo uso eficaz e inteligente de recursos, é um dos muitos reflexos práticos dos ideais igualitários do país. Outra característica cultural da Suécia é a busca do equilíbrio perfeito através do consenso: para a qualidade daquilo que atinge esta perfeita moderação, a língua sueca tem uma palavra específica e intraduzível, chamada “Lagom” – um valor idealizado a que também aspiram a arquitetura e o design. Assim, nas repetitivas e austeras construções de Estocolmo, onde muito raramente algum edifício é chamativo, mas também onde raramente há aberrações de inserção urbana, se concretiza o receio das diferenças e a busca obsessiva pela uniformidade aprazível.

Como quase tudo, essa manifestação de monotonia traz pelo menos duas consequências não antecipadas – e ambas vantajosas. A primeira, é o design de interiores. Na vida social, o egoísmo que é tão reprimido no âmbito coletivo se manifesta na esfera íntima – e no design, também. Assim, é na intimidade do lar que se faz transparecer a intensa sensibilidade e capacidade criativa da Suécia, equilibrando com invejável e inerente maestria o universal e o peculiar, o vazio e o acolhedor.

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Alguns trabalhos que representam bem o estilo escandinavo, por Style Studio: Interior and Styling by Anna Mård.

A segunda é a apreciação da natureza, a cujos espetáculos diários são permitidos em muito ofuscar a arquitetura discreta da cidade. No cotidiano de Estocolmo, gestos arquitetônicos sutis são desinteressantes se comparados à beleza natural da cidade, em suas ilhas montanhosas, penínsulas e istmos, emoldurados pelo surpreendente e intenso azul do céu.

Por fim, há quem diga que, de alguma forma, seguimos vivendo em certos lugares, mesmo quando estamos distantes. O que de Estocolmo fica guardado com você?

O que ficou em mim é intangível, é imaterial. As pessoas. Meus amigos e nossas conversas. As paisagens, as sensações, as estações, os rituais, a língua, a brisa na ponte de Slussen. Encontros. As festas, que são todo um capítulo à parte na memória. Os extremos: dias curtos, noites sem fim; dias sem fim, noites mal anoitecidas. Esperar para dormir ao escurecer, e acabar por não dormir. A vista de um certo amanhecer de verão, de uma tarde que nunca chegou a ser noite, e a cor indescritível do céu salpicado de balões sobrevoando a cidade, na madrugada em que minha filha nasceu.

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Vista de Estocolmo durante o festival de balonismo. Encontrado em Hot air balloons are a common sight in the summer. Photo: Jeppe Wikström

Vista de Estocolmo durante o festival de balonismo. Encontrado em VisitStockholm.com. Photo: Jeppe Wikström.

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Att,

helga~Helga.

O hospital de Södermalm, Estocolmo (Södersjukhuset), em 1951.

O hospital de Södermalm, Estocolmo (Södersjukhuset), em 1951. Wikimedia Commons.

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