Salve!

Este post é dedicado, em continuação a esta entrada, a explorar as origens do general José de Abreu através das fontes documentais de que dispomos.

Primeiro – para tirar esta distração do caminho – vamos examinar este pequeno trecho do Nobiliário Sul Riograndense:[1].

“Entre os componentes da luzida comissão trazida por Gomes Freire de Andrade, achava-se João de Abreu. Fidalgo português, filho segundo de uma das mais nobres, ilustres e antigas famílias do Reino, direto descendente dos Abreus de Entre Douro e Minho, Senhores da Honra e Torre de Abreu e do Pico de Regalados.”

A segunda frase captura o interesse, mas acredito que refira-se a João Gomes de Abreu, filho de Leonel de Abreu e Lima – estes são (mais ou menos) homônimos mas não são exatamente os Abreus que procuramos. Não que não possam estar relacionados; apenas que vamos nos ater aqui, assim como no post anterior, à busca e análise de documentos encontrados nos últimos dias. Quanto à comissão de Gomes Freire de Andrade, toda a descoberta está ainda por fazer.

* * *

Fora isso, como já deve estar muito claro – como já demonstrado aqui e aqui – o marechal era filho de João de Abreu, da freguesia de Santa Maria do Pinheiro, Guimarães, e neto de Leonel de Abreu e Maria Soares.

A melhor fonte primária de que dispomos no Brasil é o registro do casamento dos pais de José de Abreu, como já vimos antes – mas êi-lo aqui mais uma vez:

 

Lê-se: “Aos vinte e hum dias do mes de Outubro do anno de mil setecentos e cincoenta e sete, nesta Matriz de São Pedro do Rio Grande de São Pedro feitas as tres canonicas denunciaçoens na forma do Sagrado Concilio Tridentino e em presença de mim, Vigário da Igreja e da Manuel Francisco da Sylva e das testemunhs abaixo asinadas o Coronel de Dragoens Thomás Luiz Ozorio, e o Capitão mor Francisco Coelho Ozorio se cazarão em face da Igreja solenemente João de Abreu, filho legítimo de Lionel de Abreu e de sua mulher Maria Soares, já defunta, natural da freguesia de Santa Maria do Pinheiro concelho de Vieyra, Arcebispado de Braga, com Anna Bernarda de Jesus, filha legítima de Antonio de Souza, já defunto, e de Antonia Clara da Conceição, baptizada na Vila da Praia da Ilha Terceira, e lhes dei as bençoens. Por verdade fiz este assento. O vigário.”

 

Ali constam as informações como ditas acima. Não há, na Cúria Metropolitana de Porto Alegre, processo de habilitação desse casamento; mesmo assim poderíamos, em regra, admitir que encontraria-se um registro de batismo dele ou ao menos de casamento dos pais na mesma freguesia. Entretanto, como o que se encontra em Pinheiro difere do que diz esse registro, acredito que isso possa ser devido à política dos casais que vigorou na época. Nunca antes a corte de Portugal incentivara tanto o casamento no Rio Grande do Sul.[2]

Sobre o lugar,

 ∼  Santa Maria do Pinheiro ∼

 

A chegada na igreja matriz – Pinheiro, Vieira do Minho. Google Streetview.

É atualmente uma freguesia do município de Vieira do Minho, chamada simplesmente Pinheiro. Buscando nos registros da igreja, a situação assim se desvela:

 

Havia na época realmente um, e apenas um Leonel de Abreu em Santa Maria do Pinheiro. Este homem casou-se em 1702 com Domingas Francisca:

 

Registro de casamento de Leonel de Abreu com Domingas Francisca, 1702. Lê-se: Aos vinte e tres do mes de Abril assisti ao matrimonio que entre si celebraram Leonel de Abreu e sua mulher Domingas Francisca do lugar de Villela foram testemunhas Manoel Soares, Torcato Francisco, Antonio Francisco  e por verdade fiz este assento que assinei de abril 23 de 1702. O P.e Pdero Vieira.” Via familysearch.

 

Uma vez viúvo, Leonel de Abreu casou-se com Úrsula Francisca, em 1707:

Registro de casamento de Leonel de Abreu com Ursula Francisca, 1707. Lê-se: ” Aos dois dias do mes de outubro de sete centos e sete nesta Igreja de Santa Maria do Pinheiro se receberam em presença de mim o PAdre João Francisco Cura da dita Igreja do Pinheiro Leonel de Abreu moradro de Villela desta freguesia com Ursula Francisca filha de Francisco Jorge de Figueiredo morador que é no lugar de cima da vila (… continua).” Via familysearch.

 

Com a primeira esposa, teve dois filhos, chamados Manoel e Maria; com a segunda, mais três filhas pelo menos, a saber: Thereza e Ana;

(para os dados vitais destes filhos – encontram-se transcritos no link abaixo:)

VIDE: Heróis do Homem e Cávado – Pinheiro

E mais uma pelo menos, chamada Rosa e batizada em 20 de maio de 1714, e nascida no dia 13 do mesmo mes e ano. (vide familysearch).

Se João de Abreu era filho legítimo de Leonel de Abreu e Maria Soares de Santa Maria do Pinheiro, Vieira, Braga, só poderíamos imaginar que Leonel de Abreu tivesse casado pela terceira vez. Mas na verdade Leonel de Abreu faleceu viúvo de Ursula Francisca, que falecera poucos meses antes dele, excluindo, salvo talvez perfilhações, toda a possibilidade de filhos legítimos dele com Maria Soares:

Óbito de Leonel de Abreu, 1756. Lê-se: “Aos vinte e nove dias do mes de Dezembro de mil sete centos e cincoenta e seis anos faleceu Leonel de Abreu, viúvo do lugar de Vilela desta freguesia de Santa Maria do Pinheiro só com o sacramento da Penitencia de uma colica e lhe não dar lugar a receber os mais sacramentos e se sepultou nesta igreja em os trinta dias do dito mes e ano não fez testamento e não tinha de que e para constar fiz este termo era ut supra.” Via familysearch. A esposa, Ursula Francisca, falecera em 29 de julho do mesmo ano – os assentos acham-se quase juntos, na mesma página deste livro paroquial.

 

Enfim, conclui-se que não apenas os filhos de Leonel de Abreu com Maria Soares foram naturais, ou seja, fora de um casamento formalizado, mas também extraconjugais. Seria de se esperar que fosse praticamente impossível constatar que realmente existiram tais filhos. Considerando a situação, é de uma sorte extraordinária que realmente pode-se encontrar evidências documentais de que existiu, sim, geração deste casal nada formal. A primeira pista é o casamento de um desses filhos, dito explicitamente filho natural de Leonel de Abreu e Maria Soares, em 1751. Este filho chamava-se Custódio de Abreu Soares, e havia sido batizado em 1722, como se vê no texto atípico do assento de batismo:

 

Registro de batismo de Custódio Soares (parte 1)

Registro de batismo de Custódio Soares (parte 2). Lê-se: “Custódio, filho de Maria Soares mulher de Francisco Pereira ausente do lugar de Vilella desta freguesia de Santa Maria do Pinnheiro nasceu aos treze dias do mês de Janeiro do ano de mil sete centos e vinte e dois por nascer com perigo de morte foi baptizado por Benta Affonso mulher de Bartholomeu Vieira do mesmo lugar de Vilella em casa não obstante por algumas razões que me pareceu o dito baptismo dúbio e assim foi baptizado debaixo de condição nesta Igreja por mim Julião de Araujo Abade dela aos quinze dias do mesmo mes e ano foram padrinhos debaixo de condição Mattheus Affonso e a dita Benta Affonso atras nomeada ambos desta freguesia de Santa Maria do Pinheiro e por verdade fiz este termo que assino com o padrinho era ut supra. O Abb.e Juliam de Araujo”. Via familysearch.

 

E eis o casamento deste mesmo filho, como acima citado:

 

Casamento de Custodio de Abreu Soares, 1751. Lê-se: “Aos dois dias do mes de maio de mil sete centos e cinquenta e um feitas primeiro as denunciações na forma costumada e apresentada licença do Reverendo Doutor Juiz dos casamentos da cidade de Braga em face eclesia se receberam Custódio de Abreu Soares filho natural de Leonel de Abreu e de Maria Soares da freguesia de Santa Maria do Pinheiro com Thereza da Cruz, filha legítima de Francisco da Cruz e de Senhorinha Gonçalves… (continua)”. Via familysearch.

Ainda em Pinheiro, mais uma filha de Maria Soares é mais tarde dada como filha natural de Leonel de Abreu.

Esta era Clara, nascida em 1727 e mãe em 1748:

 

Batismo de Clara, filha de Maria Soares, 1727. Lê-se: “Clara, filha de Maria Soares, esta mulher de Francisco Pereira do lugar de Vilela (…). Via familysearch.  Para os habituados com os registros paroquiais, a formulação da primeira linha chama atenção, como se a filha fosse de Maria Soares apenas, que é esposa de Francisco Pereira. Realmente no batismo de Custódio em 1722 (acima), este Francisco Pereira está descrito explicitamente como ausente.

 

Batismo de João Batista, filho de Clara e neto de Leonel de Abreu, 1748. Lê-se: “(…) Clara, solteira, esta filha natural de Leonel de Abreu do lugar de Vilela (…)”. Via familysearch.

 

Sobre o marido ausente de Maria Soares, nos óbitos de Pinheiro está o falecimento, por notícia de Francisco Pereira, em 1732, deste homem que, conforme o assento, partira havia anos para o Alentejo:

Falecimento de Francisco Pereira, 1732. Lê-se: “Desta freguesia de Santa Maria do Pinheiro (…) já há anos para as partes do Alentejo um Francisco Pereira marido de Maria Soares de baixo do lugar de Vilela desta freguesia e veio a notícia e certidão em como  era felecido (…) hoje, de Abril vinte e cinco e mil sete centos e trinta e dois”.

Quanto a filhos deste homem com Maria Soares, não encontrei nenhum batizado em Pinheiro; e aos 3 de maio de 1738 já se encontra o assento de óbito da própria Maria Soares (vide: familysearch.) O assento cita um filho chamado João Soares, casado com Rosa Maria alguns meses antes, em 25 de novembro de 1737 (vide: familysearch.) Este João Soares já era testemunha do casamento de Manoel Pereira em 27 de julho de 1733, junto com Leonel de Abreu (vide: familysearch), e também testemunha de batismo de uma filha de Clara, a filha natural de Leonel de Abreu, em 1759. No momento, suponho que este João Soares, que assinava sempre João Francisco Soares, seja filho de Maria Soares com Francisco Pereira, e que o batismo se encontre em outro local, que não Pinheiro nem Canteleães, como vamos ver.

 

Então, expostas as circunstâncias, conclui-se que realmente houve filhos de Leonel de Abreu com Maria Soares, que encontrava-se sozinha e que veio a falecer deixando, pelo menos, um filho de 16 e uma filha de 11 anos. Esses filhos são mais tarde descritos como filhos naturais de Leonel de Abreu, enquanto casado com Ursula Francisca, e considerando o contexto da época, suponho que, na falta da mãe, Leonel não teve alternativa a não ser acolher esses filhos, que eram menores. Em Pinheiro, Custódio e Clara são os dois únicos de que se tem notícia; e assim, resta a pergunta:

E João de Abreu?

Passei a procurar nas freguesias vizinhas. Assim, de João, filho de Maria Soares, encontrei por fim o seguinte registro, em uma freguesia próxima, chamada Canteleães:

 

Registro de batismo de João, filho de Maria Soares, 1722. Lê-se: “João. Aos dezoito dias do mês de Julho de mil sete centos e dous [sic – nota – o registro está em 1722, o ano por extenso foi anotado incompleto] annos pus o P.e Antonio Vieira Machado os santos oleos a João engeitado em casa de Domingas de Abreu de taboadello frg.a de Pinheiro a coal disse ser filho de Maria Soares de Villella e disse que lhe botava agua somente o P.e Bernardo de Souza de Cabeceiros Douro, era ut supra – eu o Abb.e Agostinho de Araujo”. Via familysearch.

Apesar do conflito das datas dos batismos de Custódio e João, que ocorrem no mesmo ano de 1722, separadas por seis meses de intervalo, a situação era tal que Maria Soares provavelmente buscava ocultá-la, até não mais poder; e neste ponto, deve ter batizado um ou ambos desses filhos com algum atraso. A João não é dada uma data exata de nascimento, sendo oficialmente exposto em casa de Domingas de Abreu, cujo parentesco com o bebê ainda não pude determinar, mas que, decerto, existe.

* * * Entre parêntesis,

O estudo desta linhagem toca em temas imortais de comportamento, que em muito me interessam e dos quais pouco se fala em genealogia: são eles o do abandono familiar, o dos romances ilícitos, e o dos filhos naturais. Longe de emitir julgamento, deixo neste post os fatos como os encontrei apenas, e espero, num futuro próximo, explorar mais os aspectos subjetivos destes temas universais.

* * *

Continuando, considerando que os documentos encontrados já me permitem confirmar a filiação de João de Abreu, resta expandir o estudo para as gerações anteriores.

Quanto a Maria Soares, o registro do casamento dela com Francisco Pereira não aponta de quem ela é filha; e, sendo o seu nome relativamente comum, e conhecendo-se a imprevisibilidade da atribuição de sobrenomes no mundo lusófono de antanho, até o momento não posso presumir as suas origens. Este registro encontra-se, por ironia, logo acima do assento do primeiro casamento de Leonel de Abreu, já mostrado acima. Êi-lo:

 

Casamento de Francisco Pereira com Maria Soares, 1700. Lê-se: “Aos sete dias do mes de outubro do anno de mil sete centos assisti ao matrimonio que entre si celebraram Francisco Pereira e sua mulher Maria Soares do lugar de Villela. Foram testemunhas Manoel Soares e Domingos Francisco da eira e Domingos Marques todos do mesmo lugar e por ser verdade fiz este assento e assinei era ut supra – o P.e Pedro Vieira.” Via familysearch.

Já sobre a filiação de Leonel, já estava descrita em Heróis do Homem e Cávado – faço aqui apenas o trabalho de mostrar:

 

Batismo de Leonel de Abreu, 1681. Lê-se: “Aos nove de Agosto de mil seiscentos e oitenta e um  anos batizei a Lionel filho de Silvestre Francisco e de sua mulher Madalena de Abreu do lugar de Taboadelo foram padrinhos Lionel solteiro e Maria filha de Madalena Soares de Barredo freguesia de Cantelães e por ser verdade assinei. Gonçalo Ribeiro” Via familysearch.

 

Os pais de Leonel, Silvestre Francisco e Madalena de Abreu, faleceram em 26 de dezembro de 1714 (vide familysearch) e 10 de maio de 1712, (vide familysearch) respectivamente. Até o momento, não sei onde e quando se casaram, se casaram-se, e nem de quem foram filhos. Sobre Leonel de Abreu, era ferreiro, e foi testemunha de vários batismos e casamentos, e assim assinava o próprio nome:

 

 

Assinatura de Leonel de Abreu, 1718, testemunha de casamento de Manoel Francisco e Isabel Soares. Por acaso ou não, a mãe da noiva, já defunta, chamava-se também Maria Soares.

 

Como parecem, até agora, estar esgotadas as informações que se podem extrair dos registros de batismos, casamentos e óbitos, resta garimpar, em algum futuro próximo (tomara) em algum arquivo de Braga, em busca de róis de confessados, habilitações de casamento, possíveis perfilhações, etc.

 

∼ Recapitulando ∼

 

por descobrir  por descobrir  filiação por descobrir 
Francisco Silvestre

F. 26.12.1714

Pinheiro, Vieira do Minho, Portugal

Madalena de Abreu

F. 10.05.1712

Pinheiro, Vieira do Minho, Portugal

Leonel de Abreu

B. 09.08.1681, Pinheiro, Vieira do Minho, Portugal

F. 29.12.1756, Pinheiro, Vieira do Minho, Portugal

Maria Soares

F. 03.05.1738, Pinheiro, Vieira do Minho, Portugal

João de Abreu

B. 18.07.1722, Canteleães, Vieira do Minho, Portugal

C. 21.10. 1757 c Ana Bernarda de Souza, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

F. 23.05.1790 Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

Vicente Cláudia José Maria Joaquim Francisco Romão Manoel

 

* * *

Por fim, vai um humilde agradecimento ao já citado Heróis do Homem e Cávado, blog do gentilíssimo senhor António Gonçalves, no qual algumas destas informações (especialmente pré-1720) já estavam transcritas e o qual em muito auxiliou a interpretar os documentos que encontrei, e que felizmente também já os incorporou parcialmente no seu blog – que é, aliás, uma excelente fonte de informações.

E, até o momento, nada mais sei.

Desta que vos escreve, a

helga

~Helga.

 

Em destaque: Quinta do Emigrante, Pinheiro (Maria Carvalho) – powered by Google



Fontes
[1] CARVALHO, Mario Teixeira de. Nobiliário Sul-Riograndense. porto Alegre, 1937.
[2] QUEIROZ, Maria Luiza Bertolini. [PDF] A Vila do Rio Grande de São Pedro : 1737-1822.  Florianópolis : UFSC : dissertação de pós-graduação em História, 1985.

(Nota: esta tese foi publicada como livro, com prefácio de João José Planella, em Rio Grande pela editora da Fundação Universidade de Rio Grande, em 1987).

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