Ele viu acontecer a abolição da escravatura, a queda do Império e a ferrovia em Santa Catarina. Mais de 155 anos após seu nascimento, uma filha sua ainda vive.
Conheça a história de José Sebastião do Nascimento.
*20.01.1860 Biguaçu SC †19.01.1931 Tubarão SC
• Vide a genealogia de José Sebastião do Nascimento
Síntese
José Sebastião do Nascimento viveu entre 1860 e 1931. Foi integrante da Guarda Nacional, participou do Comissariado de Polícia e trabalhou na construção e manutenção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina, em várias cidades de Santa Catarina. Nasceu em Biguaçu, e foi um homem de família e pai de doze filhos.
Nota
Algum tempo após o término desta biografia, emergiu o que para mim é das coisas mais interessantes sobre José Sebastião. A sua filha caçula mandou, através de uma neta, a seguinte mensagem:
” Uma das coisas que ela comentou foi que, de acordo
com sua lembrança, seu pai teria a deixado bem no dia
do aniversário, e com uma certa premonição sobre o
fato, o que era bem comum.
O Sr. José tinha premonições e uma delas foi
justamente sobre esse dia.”
♠ Quem tem premonições? Eu tenho. Mas só as que não procuro ter. ♠
1. Primeira parte:
Crescendo na Terra Firme
1.1. Nascimento
José Sebastião do Nascimento nasceu em São Miguel da Terra Firme – atual Biguaçu, Santa Catarina, Brasil, em 20 de janeiro de 1860,[1] numa sexta-feira. O lugar é logo ao norte do lado continental de Florianópolis, o período histórico é o do segundo reinado, e a data é uma das oito datas de festas religiosas comemoradas anualmente em Biguaçu: A Festa de São Sebastião.
Filho legítimo de Manoel José do Nascimento[1] e de Carlota Cândida Coelho,[1] foi batizado na quinta-feira de 12 de abril do mesmo ano,[1] na igreja matriz da antiga freguesia de São Miguel da Terra Firme.[1]
Era neto paterno de Manoel José do Nascimento[2] e Aniceta Francisca das Chagas,[2] e neto materno de Jeremias Coelho Vieira[2] e Maria Coelho.[2] Foram registrados “Protectora Nossa Senhora. e o Reverendo Vigário desta m.ma Freguesia o Padre Manoel Amancio Barrêto“[1] como seus padrinhos.[1]
1.2. Infância e adolescência
1.2.1 Religiosidade
A devoção católica é evidente na família de José, cuja madrinha era a invocação de Nossa Senhora, e padrinho, o vigário da Paróquia – o que era, aliás, contra a lei canônica da época. Segundo Rômulo Garcia de Andrade, “Venâncio [Renato Pinto] abordou a ausência fisica de mulheres na cerimônia de batismo de pessoas livres […] A opção por N. Sra. como madrinha embutia uma permuta: N. Sra. ganhava um afilhado e em troca protegia a mãe na hora do parto.“[3]
Quanto à escolha do vigário para padrinho, poderia-se inferir que foi: uma escolha por um padrinho com poder de intermediação junto ao divino, segundo a crença na fé hierarquizada naquela época; ou uma escolha por um padrinho com algum grau de posses e mais apto a exercer influência, ou a obter favores na comunidade local.[4]
Além disso, José adotou o nome de São Sebastião como seu segundo nome, prestando homenagem por ter nascido em 20 de janeiro, dia deste Santo. Da mesma forma, o primeiro filho de José também ganhou um segundo nome em homenagem ao santo do dia em que nasceu: assim, chamava-se Leovegildo Elói (em homenagem a Santo Elói).
1.2.2. Escolaridade
A única evidência de alguma escolariadade de José Sebastião é o fato de ter sido alfabetizado, sendo que tinha possibilidade de votar, e demonstrando certa destreza ao assinar o nome. Provavelmente, freqüentou a escola primária masculina de São Miguel, que ali já existia desde 27 de agosto de 1831.[5]
No contexto do segundo império, a alfabetização de José Sebastião foi um privilégio. Em 1867, quando ele contava sete anos, somando-se todas as províncias do Brasil, “[…] Aproximadamente, dos 1.200.000 indivíduos em idade escolar, apenas 120 mil recebiam instrução primária, ou seja, a décima parte da população, ou ainda um indivíduo por 80 habitantes. [AZEVEDO, 1958, p. 82]”[6](grifo adicionado).
1.2.3. Família na terra firme
Enfim, quase nada se sabe da infância de José em São Miguel. Mas é possível, em algum grau, imaginar a dinâmica da inserção de José nas famílias Nascimento (de seu pai) e Coelho (de sua mãe).
José teve pelo menos um irmão mais velho, chamado Manoel José do Nascimento Neto e casado em Biguaçu em 15 de fevereiro de 1873,[7] com Ana Luísa do Sacramento. Nasceu no décimo sexto ano de casamento de seus pais. Não foi encontrado nenhum registro de outros filhos do casal em Biguaçu, além deste irmão, Manoel, que a julgar pela data do casamento, e pelo nome herdado do pai e do avô, era provavelmente o primeiro filho da família.
O menino teve, no entanto, vários primos em primeiro grau, dos quais alguns, presumivelmente, não chegou a conhecer. Os tios por parte de pai, cujos batismos dos filhos encontram-se todos na freguesia vizinha de São Pedro de Alcântara, foram pelo menos estes:
- João José do Nascimento, casado com Luísa Cândida Coelho, e pai de Manoel, nascida em 1855; e Maria, nascida em 1856, e afilhada dos avós paternos de José Sebastião – em São Pedro de Alcântara;
- Joaquim José do Nascimento, casado com Josefa Tomásia Pereira, e pai de Tomásia, nascida em 1861; e João, nascido em 1866 – em São Pedro de Alcântara;
- Francisco José do Nascimento, casado com Maria Luísa de Alpis, e pai de Aniceta, nascida em 1861, em – em São Pedro de Alcântara;
- Henrique José do Nascimento, casado com Angélica Rosa de Jesus, e pai de Maria, nascida em 1868, em São Pedro de Alcântara.
Tendo em conta que os avós de José Sebastião foram os padrinhos da neta Maria, (batizada em 26 de junho de 1856, em São Pedro de Alcântara), eles provavelmente também estiveram ali radicados. Assim, não se sabe se houve contato relevante de José Sebastião com os seus avós paternos, mas presume-se que se existiu convívio, averá sido ocasional.
Os tios por parte de mãe, no entanto, encontravam-se principalmente em São Miguel e ocasionalmente em São José. Eram, pelo menos, quatro:
- Senhorinha de Liz Coelho, casada com Joaquim Antonio Coelho, e mãe de José, nascido em 1845; Senhorinha, nascida em 1850; Cândido, nascido em 1852; e Laurinda, nascida em 1855 – todos filhos batizados em São Miguel.
- Constança Coelho de Jesus, casada com Manoel Pereira de souza, e mãe de Maria, nascida em 1865; Amaro, nascido em 1868; e Cândido, nascido em 1870, e afilhado dos pais de José Sebastião – todos filhos batizados em São Miguel.
- Maria Coelho do Sacramento, casada com Miguel Machado de Simas, e mãe de Cipriano, nascido em 1874; e Maria, nascida em 1875 – todos filhos batizados em São Miguel.
- Jeremias Coelho Vieira (Filho), casado com Maria Joaquina, e pai de José, nascido em 1871; e João, nascido em 1872 – todos filhos batizados em São José.
Assim sendo, como se vê abaixo, além dos parentes mais próximos, José tinha também uma considerável quantidade de primos-irmãos contemporâneos, dentre os quais, alguns quase coetâneos. Viviam também na freguesia de São Miguel, ou nas proximidades de São José ou São Pedro de Alcântara:
A avó materna, Maria Coelho, havia falecido em 1859, e portanto José não a conheceu. Já o avô materno, Jeremias Coelho Vieira, faleceu com muita idade – segundo consta, aos noventa anos – e, tendo falecido, e provavelmente vivido seus últimos anos em Biguaçu, deve ter tido oportunidade de algum convívio com os netos, dentre os quais José Sebastião, até os seus 12 anos.
O irmão de José, Manoel, teve pelo menos dois filhos em São Miguel – Biguaçu, a saber: Maria, nascida em 1874, e Manoel, nascido em 1876. Manoel é o único irmão de José de quem se tem notícia, e o único familiar a quem ele ainda visitava esporadicamente em Biguaçu, na vida adulta. Assim, a nova família de Manoel possivelmente tomou um pouco do espaço de José Sebastião na vida familiar, durante o desenrolar de sua adolescência.
Mas todos os vínculos familiares e afetivos de José na sua terra natal, por mais fortes ou fracos que tenham sido, ficariam para trás. José Sebastião deixaria a região de Biguaçu e arredores para não mais voltar em definitivo, e passaria a visitá-la com raridade.[8]
Abaixo, está uma galeria de imagens de Biguaçu como ou à similitude do que teria visto José, na sua infância:
1.2.4. A relação com São Miguel – Biguaçu
É parte das memórias de seus filhos que José acreditava ser descendente de índios e portugueses, considerando-se “filho da terra de Biguaçu”,[8] embora nada conste a este respeito em qualquer registro seu ou de seus antepassados até o momento. Aqui, fica quase tudo a cargo da imaginação. O que levou José Sebastião a acreditar ser ou se sentir de origem indígena está perdido no tempo, e além das fontes documentais. Talvez tenha sido uma forte identificação com o local. Ou um mito de família, que tende a ser mais estigma e romantismo do que realidade, super-representando influências indígenas que poderiam estar já muito diluídas ao longo das gerações.
Quanto a uma tendência ao entrelaçamento cultural entre os povos indígenas e europeus, que como no Brasil, se observou também em Biguaçu, a sumariza bem Lourival Câmara, sucintamente:
“Pedro Calmon, ao estudar a história social do Brasil, notou que, nos primórdios do povoamento, o elemento indígena passou, paradoxalmente, de assimilando a assimilador, transfundindo no elemento português a sua organização, a sua língua, as suas crenças, os seus costumes.
Esses mesmo paradoxo no litoral catarinense. Os açoreanos herdaram costumes indígenas e os transmitiram aos seus descendentes.”[5](grifos adicionados).
Quanto à periodicidade de seus regressos à sua terra natal, era modesta. Sendo o filho temporão, José já havia perdido o pai quando se casou; e na época da infância de seus filhos mais jovens, ambos seus pais eram já falecidos.[8] Nesta época visitava Biguaçu para rever apenas o irmão, Manoel,[8] e com pouca freqüência,[8] devido à grande dificuldade de acesso ao local.[8]
2. Segunda parte:
A vida adulta no Vale do Rio Tubarão
2.1. A vida profissional
2.1.1. A mudança para Pedras Grandes
José Sebastião atingiu a maioridade nas últimas décadas do século XIX, ao mesmo passo em que Biguaçu começava a encontrar o seu declínio econômico, e outras oportunidades surgiam no interior de Santa Catarina. Um dos fatores que contribuíram para a decadência do local foi a redução da importância da rota portuária em que Biguaçu se localizava, em decorrência de novas vias de acesso pelo meio terrestre, melhor interligando o estado.[9]
O município que atualmente é Lauro Müller, no extremo sul catarinense, era conhecido desde 1841 como Minas, devido à descoberta de jazidas de carvão mineral no local.[10] Em de 1874, uma concessão foi obtida para a construção de uma ferrovia ligando as minas à região portuária, impulsionando a imigração para o local e acarretando o início da construção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina (atual Ferrovia Tereza Cristina), em 1880.
Assim, talvez atraído pela promessa do desenvolvimento econômico do Vale do Rio Tubarão, e provavelmente com não mais de vinte anos, José transferiu-se para Pedras Grandes ou arredores, onde foi morador.[11]
2.1.2. O trabalho na Estrada de Ferro
José trabalhou nas obras de construção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina,[8] que ligava os municípios catarinenses de Lauro Müller, Pedras Grandes, Orleães, Tubarão, Laguna e Imbituba, entre outros. A principal função desta ferrovia era inicialmente o transporte de carga – especificamente, da produção de carvão mineral no extremo sul catarinense até os portos de Imbituba e Laguna. Quanto às condições de trabalho, segundo Alcides Goularti Filho e Ângela Maria Antunes do Livramento, em março de 1891, os operários da ferrovia pararam pela primeira vez, em protesto aos “baixos salários e péssimas condições de trabalho”.[12]
Subseqüentemente às obras de construção, coube-lhe o cargo de feitor da turma de conservação.[8] Segundo o Prof. Anderson Soares André, contando a história de Pindotiba (distrito de Orleães), e descrevendo o trabalho na Estrada de Ferro entre Lauro Müller e Tubarão, “Na conservação da Estrada de Ferro, além do mestre de linha havia um feitor com oito homens para cada oito quilômetros.”[13]
a Estrada de Ferro ontem e hoje
Na galeria abaixo, estão mapas de localização da E.F.D.T.C. e uma uma seleção de fotos antigas de localidades do trecho Lauro Müller – Laguna.
Para os curiosos, segue vídeo da Tereza Cristina, funcionando em 2013 – disponibilizado por Andreas Illert:
notas sobre a profissão de José Sebastião
Em registros de nascimento de um de seus filhos, e como testemunha de casamento civil, declarou ser um trabalhador “de agência”, expressão genérica que atualmente poderia equivaler a um trabalhador autônomo, como explica Ivan de Andrade Vellasco.[14]
Porém, em outros registros de nascimento de seus filhos, seu ofício foi descrito como “lavrador”, acerca do que, até o momento, não há esclarecimento sobre a freqüência, veracidade e natureza de tal atividade.
Em 5 de fevereiro de 1910, sendo testemunha do casamento do cunhado Garcindo Bonifácio, assina e se declara da seguinte forma:
E em 4 de junho do mesmo ano, como testemunha de casamento de Albino Pereira e Rosa Bittencourt Rocha:2.2. A vida afetiva
2.2.1. O encontro com Maria Caetana
Em Pedras Grandes, deve ter vindo a conhecer a futura esposa Maria Caetana de Araújo, moradora na mesma cidade[11] e filha de Caetano Joaquim da Silva Araújo[11] e Guilhermina Silvina de Souza.[11]
É de se imaginar que a tenha conhecido através de algum membro da família da qual viria a fazer parte. Explorando essas possíveis conexões, o futuro cunhado, Antonio Caetano de Araújo, assim como José Sebastião, foi integrante da Guarda Nacional em Pedras Grandes. Parece ter sido seu amigo também Isaac Antunes de Medeiros, que também fazia parte da Guarda Nacional e que no futuro veio a casar-se com uma irmã de Maria Caetana. Além do mais, a profissão dos ferroviários também permeou a família de Maria Caetana, como foi o caso de pelo menos um sobrinho, que era filho do já citado Isaac de Medeiros.
2.2.2. O casamento
José Sebastião casou-se aos 32 anos [15] (apesar de ter declarado contar 29 anos)[15] com Maria Caetana de Araújo,[15] que era doze anos mais jovem,[15] em cerimônia civil em casa das audiências do Juiz de Paz Roberto Schufler, em Pedras Grandes[15] em 18 de novembro de 1892.[15] Foram testemunhas os amigos – que também faziam parte da Guarda Nacional – José Avelino Pacheco dos Reis,[15] de 41 anos, negociante e residente em Pedras Grandes,[15] e Friedrich Dörner,[15] de 31 anos, seleiro e residente na freguesia de Tubarão.[15] A cerimônia religiosa aconteceu na capela de Pedras Grandes,[11] em 7 de fevereiro de 1893,[11]terça-feira, sendo testemunhas José Maurício dos Santos,[11] que também era integrante da Guarda Nacional, e novamente José Avelino Pacheco dos Reis.[11]
2.2.3. Os filhos
Ao longo de seus quase trinta e nove anos de casamento com Maria, José teve doze filhos nos primeiros vinte e dois anos de casado, de modo que como ocorre, o movimento da família se reflete nos registros de nascimento da prole. Considerando-se a condição de seu trabalho, que ao menos na fase de construção da ferrovia teria sido de natureza braçal e árdua, pode-se imaginar o desafio de criar doze filhos, aos quais apesar do estilo de vida simples e trabalhoso, não faltaram abrigo, víveres ou educação.[8]
Em poucos mais de duas décadas muito intensas, José Sebastião e Maria Caetana tiveram os seguintes filhos:
- Leovegildo Elói Nascimento, nascido em 19 de dezembro de 1893, em Pedras Grandes. Testemunhas: José Avelino Pacheco dos Reis e Isaac Antunes de Medeiros.[16]
- Adolpho Nascimento, nascido em 19 de junho de 1895, em Pedras Grandes. Testemunhas: Boaventura Costa de Mello e Isaac Antunes de Medeiros.[17]
- Laura Nascimento, nascida às 5 horas e 30 minutos de 2 de novembro de 1896, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e Jacintho Eleodoro Nunes.[18]
- Dimas Nascimento, nascido às 16 horas e 30 minutos de 10 de abril de 1898, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e José Francisco Borges.[19]
- José Carlos Nascimento, nascido às 21 horas de 24 de setembro de 1899, em Pedras Grandes. Testemunhas: Antonio Bratti e Manuel Francisco Godinho.[20] Como sugere uma foto de família, José Carlos, conhecido como Joca, teria completado Bodas de Prata em 1947, em Canoas, Rio Grande do Sul.
- Pedro Nascimento, nascido em 5 de janeiro de 1902, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e Sabino Luciano Pereira.[21]
- Paulo Nascimento, nascido às 6 horas de 1.o de julho de 1903, em Pedras Grandes. Testemunhas: João Rodrigues Machado e Manoel José Pereira.[22]
- João Pio Nascimento, nascimento estimado por volta de 1904, em Orleães. Casou em 1935 com Beatriz Kochler, em Porto Alegre[23] Foi testemunha o irmão mais moço, Lothar.[23] As fotos abaixo pertenciam a Lothar Nascimento e são de um de seus irmãos, porém ainda não identificado. Assim sendo, estão atribuídas a João Nascimento, com quem Lothar, que morava em Porto Alegre, teria mais chances de ter mantido contato. Fotos do acervo da Helga.
- Maria Nascimento, nascimento estimado por volta de 1907, em Orleães.
- Lothar Nascimento, nascido em 29 de outubro de 1909, na localidade de Oratório, Orleães. Testemunhas: Jorge Salomão Boabard e João Antonio da Motta.[24] Casou-se com Erna Nilles em Porto Alegre, em 1933.
- Antonia Nascimento, nascimento estimado por volta de 1912, em Orleães ou Tubarão.
-
“Dona Lôra” Nascimento, (é usado o apelido para proteger a privacidade) nascida em 1915 em Tubarão.
Com quase 100 anos, continua lúcida e ativa (fevereiro de 2015). Muitas exclamações não bastariam para expressar a sorte de poder ter conhecido a Dona Lôra.
2.2.4. As afinidades
José Sebastião tinha amigos na Guarda Nacional e no Comissariado de Polícia de Pedras Grandes, o que possivelmente era uma afinidade mais enraizada na propensão política amplamente republicana dessas entidades, do que num convívio ocupacional – pois a Guarda Nacional não era ativa, salvo circunstancialmente, em situações de conflito.
As testemunhas de seus casamentos civil[15] e religioso,[11] a saber: Frederico Dönner,[15] José Avelino Pacheco dos Reis[11][15] (que também era Juiz de Paz em Pedras Grandes, em 1896)[25] e José Maurício dos Santos,[11] todos foram integrantes da Guarda Nacional.
Isaac Antunes de Medeiros, que também foi da Guarda, foi testemunha de nascimento do primeiro filho,[16] Leovegildo, em dezembro de 1893[16]. Alguns meses antes, foram José Sebastião e Maria Caetana a testemunhar o casamento civil que uniu Isaac à irmã de Maria Caetana, a jovem Hermínia Lídia de Araújo.
O 1.o suplente do cargo de Subcomissário de polícia,[26] Boaventura Costa de Mello, foi testemunha[17] de nascimento de Adolpho, o segundo filho de José, em 1895.[17]
As testemunhas escolhidas para os filhos a partir de 1896 não parecem relacionadas nem com a milícia cidadã, nem com a polícia, levando a crer que o afastamento de José Sebastião das funções públicas tenha influenciado o seu círculo social.
Antes de se estabelecer em definitivo em Tubarão, José Sebastião e família viviam na localidade de Oratório, em Orleães. Os sogros, com quem deve ter tido contato mais freqüente do que com os próprios familiares consangüíneos, moravam na localidade de Palmeiras (atualmente, Pindotiba), também em Orleães. Pedras Grandes e Orleães foram inicialmente colônias destinadas a assentar, na sua maioria, colonos vindos da Itália, Letônia, Polônia, e também – note, também colonos nacionais.
Duas testemunhas de nascimento de seus filhos e uma do seu casamento, por exemplo, eram Antonio Bratti, Jorge Salomão Boabard e Frederico (assinou “Friedrich”) Dönner – que aparentemente seriam imigrantes. Dois de seus filhos receberam nomes muitos mais comuns entre alemães do que entre lusófonos – Adolpho, em 1895, e Lothar, em 1909.
Como explicado anteriormente, ele não se autodefinia e nem se apresentava como sendo de origem tão-somente lusitana. Portanto, nada leva a crer que xenofobia ou eurocentrismo estivessem no dicionário de José Sebastião. Pelo contrário, um dos aspectos interessantes da vida dele é a multiculturalidade do seu universo, que estaria ainda hoje à frente de muitas mentes tacanhas.
2.3. A vida de cidadão
2.3.1. No contexto histórico
José veio de Biguaçu, onde os marcos arquitetônicos que até hoje lá estão foram construídos por mão de obra escrava. Somente aos seus vinte e oito anos, no 13 de maio de 1888, a Lei Áurea pôs um ponto final na questão da abolição. Não que para José Sebastião isso tenha feito enorme diferença: oito anos antes, em 1880, a construção da ferrovia Tereza Cristina na qual conta-se que ele trabalhou, ao contrário das edificações coloniais de São Miguel, foi executada com a mão-de-obra de trabalhadores livres, dos quais muitos eram imigrantes italianos.
Tendo presenciado o momento na história da extrema escassez de mão-de-obra, foi ele um dos que se juntou à nova massa de trabalhadores necessária para possibilitar o desenvolvimento urbano e comercial da época.
Outro momento histórico marcante do seu tempo foi a queda da monarquia. Mais uma vez, não que para ele, um trabalhador que não tinha escravos nem posses relevantes, tenha feito enorme diferença a transição abrupta de monarquia para república. Mas ele deve, no mínimo, ter observado a mudança de bandeiras, as novas leis do estado laico, e o discurso de uma necessária renovação proferido no novo regime republicano, em que tantos descontentes com o império acreditavam.
Possivelmente sentiu também alguma mudança na forma de organização da Guarda Nacional, na qual deve ter se alistado desde 1878, embora maiores informações sobre este tema sejam ainda escassas.
2.3.2. A participação de José Sebastião na Guarda Nacional
As notícias de José Sebastião e suas companhias na Guarda Nacional ocorrem já no período da República, quando a organização já estava desmobilizada e rumava para um lento processo de extinção.[27] Nesse contexto, em 14 de junho de 1893,[28] José foi nomeado Tenente[28] da 4.a Companhia do 13.o Batalhão de Infantaria[28] da Guarda Nacional em Tubarão. Como os municípios onde faltasse contingente poderiam alocar homens de cidades vizinhas, isso não necessariamente significa que José Sebastião estivesse radicado em Tubarão nesta época.
Algumas generalidades sobre a Guarda Nacional
Afinal, o que fazia um oficial da Guarda Nacional? Uma Guarda sem quartel, sem uniforme, sem disciplina, sem armas. Nos dias ordinários, nada. Em dia de conflito, tudo.
A Guarda Nacional, criada em 1831, sofreu várias mudanças em sua importância, estrutura e legislação ao longo das décadas até o fim do século XIX, época da maioridade de José Sebastião. Sendo uma herança do período Regencial, a organização já não tinha a mesma relevância na época da maioridade de José. Como nota Maria Auxiliadora Faria, “A promulgação da Lei 2.395 de 10 de setembro de 1873, destituindo-a de forma quase definitiva das funções militares, legitima seu papel como força política.”[29](grifo adicionado).
Mesmo assim, até 1891, segundo o decreto nº 146, de 18 de Abril do mesmo ano, o alistamento na Guarda Nacional era ainda segundo os termos de 1850,[30] e portanto obrigatório para todos os cidadãos brasileiros, com um certo nível mínimo de escolaridade e renda, entre 18 e 60 anos.[31]
Ainda segundo Faria, “Foi determinado que a Guarda Nacional do serviço ativo só se reuniria uma vez por ano, em dia designado pelo comandante superior local – posto criado pela reforma de 1850 – para “Revista de Mostra e exercícios de Instrução, nos distritos do Batalhão ou Seção de Batalhão a que pertencer”.”[29](grifo adicionado). Assim, o alistamento e participação na instituição, na ausência de conflitos armados, parecem ter sido apenas formalidades a serem cumpridas.
Outro aspecto interessante, apontado por Douglas Pereira da Silva, é a transferência da importância da milícia para as instâncias estaduais, como melhor explicado nesta citação:
“De fato, com a decadência da Guarda Nacional, principalmente a partir de 1873 houve o desenvolvimento das Forças Estaduais dos Estados (antigas províncias), com os mais variados nomes, mas com as mesmas características: estrutura militar, vinculada aos entes federados (Estados – Membros) e estrutura burocrática de administração, desenvolvendo as chamadas Polícias Militares, que na República se tornariam as principais forças responsáveis pela segurança pública, mesmo porque o Exército ficaria responsável pela defesa externa.”[32] O que nos leva à próxima ocorrência na vida de José Sebastião, no trecho a seguir.
2.3.3. E por último, mas não menor em importância, as atribuições de subdelegado
Talvez mais trabalhosa, e com maiores implicações práticas, tenha sido a sua próxima nomeação, desta vez para Subcomissário de Polícia[33] de Pedras Grandes,[33] em 28 de abril de 1894,[33] cargo do qual foi exonerado a pedido,[34] com pouco mais de dois anos de exercício, em 5 de julho de 1896.[34] Na edição do “Almanach Catharinense” do mesmo ano, José é listado como Subcomissário de Pedras Grandes,[26] encabeçando a lista de autoridades policiais daquele distrito, que, sendo naquela época ainda a freguesia de São Gabriel das Pedras Grandes de Tubarão, não apresentava Comissário de Polícia. Assim, efetivamente, José Sebastião era como o delegado do local.
Cabe ainda citar trecho do artigo de Felipe Genovez,[35] que melhor elucida as dificuldades das atividades de comissários e subcomissários de polícia:
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- “O Chefe de Polícia Interino – Fernando Caldeira de Andrade em Relatório datado de 30 de junho de 1893, sobre autoridades policiais da Capital, assim se reporta:
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- “Exercem as funcções de commissario e sub-commissario d’esta capital os prestimosos e dedicados cidadãos João do Prado Lemos, Nuno da Gama d’Eça e Annimbal José de Abreu, cuja actividade, por demais comprovada no exercício de tão espinhosos cargos, merece por parte de vossa honrada e patriotica administração os mais sinceros encomios. De facto só o patriotismo, a dedicação sem limites pela segurança pública, levam a tão nobres caracteres acceitarem tão arduas funcções, onde gastam quasi toda a sua actividade economica com os esforços inauditos, roubando aos seus affazeres muitissimas horas que se consomem muitas vezes com sacrifícios de sua saude e quem sabe, da propria vida. (…)”. (grifo adicionado)
- “Exercem as funcções de commissario e sub-commissario d’esta capital os prestimosos e dedicados cidadãos João do Prado Lemos, Nuno da Gama d’Eça e Annimbal José de Abreu, cuja actividade, por demais comprovada no exercício de tão espinhosos cargos, merece por parte de vossa honrada e patriotica administração os mais sinceros encomios. De facto só o patriotismo, a dedicação sem limites pela segurança pública, levam a tão nobres caracteres acceitarem tão arduas funcções, onde gastam quasi toda a sua actividade economica com os esforços inauditos, roubando aos seus affazeres muitissimas horas que se consomem muitas vezes com sacrifícios de sua saude e quem sabe, da propria vida. (…)”. (grifo adicionado)
-
Supracitado está o relato da situação dos Comissários de polícia em Florianópolis, que presumivelmente contaria com melhor estrutura do que as demais localidades do estado, na época exata em questão. Assim, se considerarmos, além do usual desgaste causado pela atividade, que José Sebastião estava já em vias de ganhar o terceiro filho, não é de causar estranheza que ele tenha desejado retirar-se do corpo de polícia do interior de Santa Catarina, naquele determinado momento.
2.4. Setenta aniversários, e não mais
E então, após uma vida de trabalho e filhos – José faleceu em Tubarão,[36] às 14 horas do dia 19 de janeiro de 1931,[36] de esclerose cardio-renal,[36] conforme atestado do Dr. Asdrúbal Costa.[36] Contava 70 anos e 364 dias. Foi declarante da sua morte o senhor Antônio Corrêa Sobrinho,[36] que compareceu ao cartório de Tubarão no dia seguinte, no que seria data do septuagésimo primeiro aniversário do finado José Sebastião do Nascimento.
Ficaram vivos a esposa, Maria Caetana, que veio a falecer alguns anos depois em Tubarão, e seus doze filhos, que se espalharam por várias localidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há de ter sido imensamente saudosa a festa de São Sebastião de 1931, para a família de José.
Cronologia
Data, idade na ocasião e breve descrição dos acontecimentos pessoais e históricos ao longo da vida de José Sebastião
20 de janeiro, 1860 | 0 | Nasce, filho de Manoel Nascimento e Cândida Coelho, em São Miguel da Terra Firme, atual Biguaçu |
12 de abril, 1860 | 0 | É batizado na Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, Biguaçu |
15 de setembro, 1872 | 12 | Falece o avô materno, Jeremias Coelho Vieira, em Biguaçu |
15 de fevereiro, 1873 | 13 | Casa-se o irmão mais velho, Manoel José do Nascimento Neto, em São Miguel |
27 de setembro, 1874 | 14 | Nasce a sobrinha Maria, filha de Manoel José do Nascimento Neto, em São Miguel, Biguaçu |
8 de fevereiro, 1876 | 16 | Nasce o sobrinho Manoel, filho de Manoel José do Nascimento Neto, em São Miguel, Biguaçu |
1880 | 20 | Começa a construção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina |
1884 | 24 | Finalizada construção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina |
estimado entre 1878 e 1892 |
±25 | Falece o pai, Manoel José do Nascimento |
1887 | 27 | Parte da ferrovia é destruída pela enchente do Rio Tubarão |
13 de maio, 1888 | 28 | Promulgação da Lei Áurea |
15 de novembro, 1889 | 29 | Proclamação da República |
18 de novembro, 1892 | 32 | Casamento civil com Maria Caetana de Araújo, em Pedras Grandes |
7 de fevereiro, 1893 | 33 | Casamento religioso com Maria Caetana de Araújo, em Pedras Grandes |
14 de junho, 1893 | 33 | Nomeado Tenente em Tubarão |
7 de setembro, 1893 | 33 | É testemunha de casamento da cunhada Hermínia com Isaac Antunes de Medeiros, em Pedras Grandes |
19 de dezembro, 1893 | 33 | Nasce o primeiro filho, Leovegildo Elói, em Pedras Grandes |
28 de abril, 1894 | 34 | Nomeado Subcomissário de Polícia de Pedras Grandes |
19 de junho, 1895 | 35 | Nasce o 2.o filho, Adolpho, em Pedras Grandes |
5 de julho, 1896 | 35 | Exonerado a pedido do cargo de Subcomissário de Polícia de Pedras Grandes |
2 de novembro, 1896 | 35 | Nasce a 3.a filha, Laura, em Pedras Grandes |
estimado entre 1893 e 1901 |
±37 | Falece a mãe, Carlota Cândida Coelho |
10 de abril, 1898 | 38 | Nasce o 4.o filho, Dimas, em Pedras Grandes |
24 de setembro, 1899 | 39 | Nasce o 5.o filho, João Carlos, em Pedras Grandes |
5 de janeiro, 1902 | 41 | Nasce o 6.o filho, Pedro, em Pedras Grandes |
1902 | 42 | Donna Thereza Christina Railway Company deixa de operar. A ferrovia é adotada pelo o governo brasileiro. |
1.o de julho, 1903 | 43 | Nasce o 7.o filho, Paulo, em Pedras Grandes |
±1904 | ±44 | Nasce o 8.o filho, João, em Orleães |
±1907 | ±47 | Nasce a 9.a filha, Maria, em Orleães |
29 de outubro, 1909 | 49 | Nasce o 10.o filho, Lothar, em Orleães |
±1912 | ±52 | Nasce o 11.a filha, Antonia, em Orleães ou Tubarão |
1915 | 55 | Nasce o 12.a filha, Dona Lôra, em Tubarão |
±1922 | ±62 | Casamento do filho João Carlos, talvez em Canoas, no Rio Grande do Sul |
19 de janeiro, 1931 | 71 | Falece aos 71 anos, incompletos por um dia, em Tubarão, por esclerose cardio-renal. |
Fontes
Veja também:
- Museu Ferroviário de Tubarão
- Amantes da Ferrovia
- Fotos e fatos de Orleans – Estrada de Ferro Dona Thereza Cristina
- Estações Ferroviárias do Brasil
- Ferrovia Tereza Cristina – História da Estrada de Ferro no Sul de Santa Catarina
- Portal Pedras Grandes
- Colonizadores da Ilha de Santa Catarina
Agradecimentos
Primeiro, obrigada ao meu pai, por ter sido meu companheiro de pesquisas, documentação e preservação. À Dona Lôra e família, muito obrigada pelas informações preciosas e inéditas.
Mas principalmente ao José Sebastião, deixo aqui meu agradecimento sem dimensões, por, em consequência da vida que viveu, ter sido o meu primeiro bisavô.
Profundamente, literalmente:
– Obrigada pela existência.
Da bisneta Helga, em fevereiro de 2015.
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Fontes
“Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999,” images, FamilySearch Registro de Casamento Civil de José Sebastião do Nascimento e Maria Caetana de Araújo, Images, FamilySearch. “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999,”: Pedras Grandes: Pedras Grandes: Matrimônios 1892, Jun-1913, Jul: imagem 4 de 206.