Ela foi a força do feminino: em casa, ganhou doze filhos; em casa, trabalhava informalmente; e em casa, recebia o marido vindo do trabalho, por 39 anos.
Conheça a história de Maria Caetana de Araújo.
*01.08.1872 Tubarão SC †16.11.1936 Tubarão SC
• Vide a genealogia de Maria Caetana de Araújo
Síntese
Maria Caetana de Araújo foi uma esposa e mãe de família que viveu em Santa Catarina entre 1872 e 1936. Nasceu em Tubarão, e viveu com o marido e os doze filhos em localidades ao longo do Vale do Rio Tubarão, nas proximidades da Ferrovia Tereza Cristina.
Parte 1: Crescendo em Tubarão e São Joaquim da Costa da Serra
1.1. O começo
1.1.1. Batismo
Maria Caetana de Araújo nasceu 1º de agosto de 1872[1] em Tubarão ou arredores,[1] Santa Catarina. Filha legítima[1] de Caetano Joaquim da Silva Araújo[1] e de Guilhermina Silvina de Souza[1], neta paterna de Joaquim Borges de Araújo[1] e Joaquina Inácia da Silva,[1] e neta materna de Manoel Mendes de Souza[1] e Maria Silvina de Souza, foi batizada em Tubarão,[1] aos 15 de agosto de 1872,[1] tendo como padrinho João Martinho de Mendonça[1] e como madrinha a invocação de Nossa Senhora.[1]
Segundo o texto do registro de batismo, Maria foi batizada “em Tubarão”, mas não há menção exata de lugar. A foto acima é da antiga capela de Tubarão, anterior à construção da Catedral Nossa Senhora da Piedade de Tubarão da foto abaixo, que começou a ser erguida justo em 1872. Imagino que Maria Caetana teria assistido, durante a sua infância, à construção da catedral que, apesar de bem marcante e da aparência muito sólida, foi demolida um ano antes de completar cem anos, em 1971.
1.1.2. O que diz um nome
Maria Caetana foi a segunda filha do casal a ser batizada com este nome, sendo a primeira filha Maria nascida em 1864.[2] Desta forma, Maria foi possivelmente assim chamada para homenagear a irmã primogênita que provavelmente faleceu na infância, conforme o costume da época.
Outro costume onomástico a que Maria Caetana aderiu era o de adicionar um nome do meio ao nome de batismo. Assim, o nome do meio de Maria Caetana foi uma homenagem ao pai, Caetano Joaquim. O nome do meio não era definido na pia batismal, e, assim como a escolha do sobrenome em idos tempos, em geral seguia os vínculos de afinidade entre os entes da família.
1.1.3. Antes de Maria Caetana – as irmãs sem mais notícia
As primeiras filhas dos pais de Maria Caetana não deixam mais rastros documentais além dos seus registros de batismo, e assim, presume-se que tenham falecido na infância. Elas foram:
- Maria, nascida em 6 de maio de 1864 e batizada no dia seguinte, em Tubarão.[2] Padrinhos: os avós maternos. Sem mais notícia.
-
Lídia, nascida em 13 de outubro de 1865 e batizada sete dias depois, Tubarão.[3] Padrinhos: os avós maternos. Sem mais notícia.
- Belmira, nascida em 1º de janeiro de 1869, batizada em 20 de janeiro de 1869, em Tubarão.[4] Padrinhos: José da Silva Araújo e Ana Joaquina. Sem mais notícia.
Nenhuma das três meninas – Maria (a primogênita), Lídia e Belmira são mencionadas como filhas na ocasião da morte do pai,[5] Caetano. Os padrinhos de Lídia eram os mesmos de Maria, como a indicar que Maria teria falecido ainda antes de Lídia ser batizada, pois em geral, havia uma certa rotatividade nas escolhas de padrinhos dos filhos. Outro indício de que Lídia poderia ter falecido jovem é a adoção do seu nome como nome do meio por parte da irmã Hermínia, que passou a chamar-se Hermínia Lídia.
1.1.4. Proteção de Nossa Senhora
De forma a propiciar alguma forma de proteção divina a esta segunda Maria – que ao que parece, seria a primeira filha do casal a ter vida longa – foi-lhe escolhida como madrinha a invocação de Nossa Senhora. Como observa Rômulo Garcia de Andrade, “Venâncio [Renato Pinto] abordou a ausência fisica de mulheres na cerimônia de batismo de pessoas livres […] A opção por N. Sra. como madrinha embutia uma permuta: N. Sra. ganhava um afilhado e em troca protegia a mãe na hora do parto.“[6]
1.2. A infância
1.2.1. Depois de Maria Caetana
Felizmente, a família continuou crescendo desde o nascimento de Maria Caetana. É interessante notar que ela acabou por ter uma posição mutante na família, dependendo de quanto tempo de convívio pôde ter com as irmãs maiores. Pode ser que tivesse sido uma irmã do meio, que depois virou a irmã maior. Ou simplesmente, não tendo memória das irmãs mais velhas, pensasse sempre ter sido a primogênita. Os irmãos que vieram depois de Maria foram:
- Antonio Caetano de Araújo,[5] nascido em cerca de 1874, em Tubarão;
- José Lizenando de Araújo, nascido em 25 de julho de 1876 e batizado em 13 de agosto do mesmo ano, em Tubarão.[7]
- Hermínia Lídia de Araújo,[5] nascida em cerca de 1878, talvez em São Joaquim;
- Garcindo Bonifácio de Araújo,[5] nascido em cerca de 1880, talvez em São Joaquim;
- Honorina Araújo, nascida em 4 de outubro de 1883, e batizada 20 dias depois, em Tubarão.[8]
- João Elpídio de Araújo,[5] nascido em cerca de 1890, talvez em Tubarão.
1.2.2. Vistas marcantes de Tubarão
Seguem algumas fotos de Tubarão, como ou semelhantes ao que Maria Caetana teria conhecido na sua primeira infância, junto com seus irmãos pequenos:
1.2.3. Os mais velhos
Avós e tios em Tubarão e Laguna
As três irmãs de Maria Caetana tiveram como padrinhos os avós maternos (Manoel Mendes de Souza e Maria Silvina de Souza) e tios paternos (José da Silva Araújo e Ana Joaquina), sendo moradores das freguesias de Tubarão e Laguna, que são cidades vizinhas entre si. As irmãs de Guilhermina de Souza e esposos, a saber: Íria Correa de Souza e esposo, José Constantino da Silva, e Clarinda Silvina de Souza, casada com Pedro de Bittencourt, foram respectivamente padrinhos de José e Honorina, irmãos de Maria Caetana. Assim, é certo que havia bons vínculos de afetividade com os avós e tios. Mas, tendo em mente as futuras mudanças da família, o convívio com os familiares em Tubarão e Laguna pode ter sido prejudicado.
Origens
Assim como o marido José Sebastião, Maria Caetana definia-se como “filha da terra”;[9] e, de fato, apesar de ser quase sempre muito açoriana, a ascendência distante de Maria tem também origens indígenas enraizadas na época do Brasil Colônia, através da avó paterna Joaquina Inácia da Silva.
A imagem abaixo mostra a família mais próxima de Maria Caetana, exceto marido e filhos: os pais, avós, irmãos e respectivos cônjuges, e os tios que foram também padrinhos e madrinhas dos irmãos de Maria.
1.2.4. Escolaridade
A única evidência de alguma escolariadade de Maria Caetana é o fato de ter sido alfabetizada, demonstrando certa destreza ao assinar o nome. Provavelmente, freqüentou a escola primária de Tubarão.
No contexto do segundo império, a alfabetização de Maria Caetana foi um privilégio. Em 1867, cerca de 12 anos antes de sua idade escolar, somando-se todas as províncias do Brasil, “[…] Aproximadamente, dos 1.200.000 indivíduos em idade escolar, apenas 120 mil recebiam instrução primária, ou seja, a décima parte da população, ou ainda um indivíduo por 80 habitantes. [AZEVEDO, 1958, p. 82]”[10](grifo adicionado).
1.2.5. São Joaquim da Costa da Serra
Entre 1880 e 1882, o pai de Maria Caetana trabalhou em São Joaquim da Costa da Serra. Depois, a família parece ter retornado a Tubarão. Maria Caetana deve ter tido lembranças das particularidades geográficas de São Joaquim, com o terreno acidentado característico da serra catarinense, e sendo uma das três cidades mais frias do Brasil. Neste ínterim a educação de Maria Caetana e de seus irmãos deve ter ficado em família, já que Caetano Joaquim foi professor da freguesia neste período.
Parte 2: A vida em Pedras Grandes
2.1. A mudança para Pedras Grandes
A trajetória de Caetano Joaquim é a melhor evidência (e de fato, a única) para estimar a data em que a família de Maria Caetana se radicou nos arredores de Pedras Grandes. A última notícia de Caetano em Tubarão data de 1883, e já em 1892, é residente em Pedras Grandes. Logo, a mudança ocorreu em cerca de 1887, com uma margem de erro de cinco anos para mais ou para menos.
Pedras Grandes e suas redondezas – ou seja, Azambuja, Palmeiras (atual Pindotiba), Oratório (parte de Orleães), todos são locais em que os pesonagens principais da vida de Maria Caetana fazem suas aparições. Azambuja foi a primeira colônia italiana de Santa Catarina. Orleães foi uma colônia onde assentaram-se imigrantes da Itália, Alemanha, Letônia, Polônia, e também colonos nacionais.
Desta vez, diferente de um grande centro, como Tubarão, e não exatamente como uma freguesia mais isolada e remota que era São Joaquim da Costa da Serra, a morada da família em Pedras Grandes era um peculiar apanhado de novas freguesias e colônias nos arredores das minas de carvão. Ligando todos os locais relevantes da vida de Maria Caetana, estavam, em incessante movimento, a correnteza do Rio Tubarão e a fumaça da Ferrovia Tereza Cristina, na qual trabalhou o seu futuro marido, José Sebastião.
Seguem algumas fotos atuais de Pedras Grandes e o Rio Tubarão, que ainda devem em muito lembrar a época em que Maria Caetana ali vivia:
Muito determinante no cotidiano, no normal andamento econômico, na paisagem, nas características visuais e sonoras da região, no imaginário local, enfim, fundamental na identidade do lugar, era a estrada de ferro Dona Tereza Cristina.
Na galeria abaixo, estão mapas de localização da E.F.D.T.C. e uma uma seleção de fotos antigas de localidades do trecho Lauro Müller – Laguna.
Para os curiosos, segue vídeo da Tereza Cristina, funcionando em 2013 – disponibilizado por Andreas Illert:
2.2. O encontro com José Sebastião
Em Pedras Grandes, Maria Caetana conheceu o futuro marido, José Sebastião do Nascimento, vindo da freguesia de São Miguel, ao lado da parte continental da Capital. Em Pedras Grandes, casou e teve a maior parte de seus filhos. Portanto, deve ter vivido a fase mais marcante da sua vida naquele lugar.
Há uma série de possíveis conexões entre a família de Maria Caetana e José Sebastião: as funções na Guarda Nacional, na polícia, e vínculos em comum: José Avelino Pacheco dos Reis e Boaventura Costa de Mello, com quem José Sebastião trabalhou diretamente, tiveram ligação com o pai de Maria Caetana, por exemplo. As afinidades políticas também são um possível vínculo, considerando que o partido republicano era o mais amplamente apoiado na época.
2.3. Casamento
Maria Caetana casou-se aos 20 anos [11] com José Sebastião do Nascimento,[11] em cerimônia civil em casa das audiências do Juiz de Paz Roberto Schufler, em Pedras Grandes[11] em 18 de novembro de 1892.[11] Foram testemunhas José Avelino Pacheco dos Reis,[11] de 41 anos, negociante e residente em Pedras Grandes,[11] e Friedrich Dörner,[11] de 31 anos, seleiro e residente na freguesia de Tubarão.[11] A cerimônia religiosa aconteceu na capela de Pedras Grandes,[12] em 7 de fevereiro de 1893,[12]terça-feira, sendo testemunhas José Maurício dos Santos,[12] e novamente José Avelino Pacheco dos Reis.[12]
2.4. Filhos
Em poucos mais de duas décadas muito intensas, Maria Caetana e José Sebastião tiveram os seguintes filhos:
- Leovegildo Elói Nascimento, nascido em 19 de dezembro de 1893, em Pedras Grandes. Testemunhas: José Avelino Pacheco dos Reis e Isaac Antunes de Medeiros.[13]
- Adolpho Nascimento, nascido em 19 de junho de 1895, em Pedras Grandes. Testemunhas: Boaventura Costa de Mello e Isaac Antunes de Medeiros.[14]
- Laura Nascimento, nascida às 5 horas e 30 minutos de 2 de novembro de 1896, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e Jacintho Eleodoro Nunes.[15]
- Dimas Nascimento, nascido às 16 horas e 30 minutos de 10 de abril de 1898, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e José Francisco Borges.[16]
- José Carlos Nascimento, nascido às 21 horas de 24 de setembro de 1899, em Pedras Grandes. Testemunhas: Antonio Bratti e Manuel Francisco Godinho.[17] Como sugere uma foto de família, José Carlos, conhecido como Joca, teria completado Bodas de Prata em 1947, em Canoas, Rio Grande do Sul.
- Pedro Nascimento, nascido em 5 de janeiro de 1902, em Pedras Grandes. Testemunhas: Juvêncio Francisco Borges e Sabino Luciano Pereira.[18]
- Paulo Nascimento, nascido às 6 horas de 1.o de julho de 1903, em Pedras Grandes. Testemunhas: João Rodrigues Machado e Manoel José Pereira.[19]
- João Pio Nascimento, nascimento estimado por volta de 1904, em Orleães. Casou em 1935 com Beatriz Kochler, em Porto Alegre[20] Foi testemunha o irmão mais moço, Lothar.[20] As fotos abaixo pertenciam a Lothar Nascimento e são de um de seus irmãos, porém ainda não identificado. Assim sendo, estão atribuídas a João Nascimento, com quem Lothar, que morava em Porto Alegre, teria mais chances de ter mantido contato. Fotos do acervo da Helga.
- Maria Nascimento, nascimento estimado por volta de 1907, em Orleães.
- Lothar Nascimento, nascido em 29 de outubro de 1909, na localidade de Oratório, Orleães. Testemunhas: Jorge Salomão Boabard e João Antonio da Motta.[21] Casou-se com Erna Nilles em Porto Alegre, em 1933.
- Antonia Nascimento, nascimento estimado por volta de 1912, em Orleães ou Tubarão.
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“Dona Lôra” Nascimento, (é usado o apelido para proteger a privacidade) nascida em 1915 em Tubarão.
Com quase 100 anos, continua lúcida e ativa (fevereiro de 2015). Muitas exclamações não bastariam para expressar a sorte de poder ter conhecido a Dona Lôra.
2.6. A vida de esposa e mãe
Segundo as memórias da família,[9] Maria cuidava dos doze filhos, e desenvolvia vários trabalhos complementares à renda familiar, utilizando os dotes da costura e outras técnicas que havia aprendido com a mãe Guilhermina. Maria acordava em torno das quatro da madrugada para se dedicar à casa e ao trabalho, e “sempre fez de tudo pelos filhos, pelo marido, para que não faltasse nada”.[9]
Abaixo, está um gráfico simples mostrando, em bege, os períodos gestacionais, em terracota, os períodos pós-parto, e em azul, do claro ao anil, o número de filhos para tomar conta crescendo.
As peripécias do marido
José Sebastião, além do trabalho, cumpriu também o papel de delegado de Pedras Grandes entre 1894 e 1896.[22]
Para melhor entender as atribuições de subdelegado, segue abaixo um relato da época, extraído de texto de Felipe Genovez:[23]
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- “O Chefe de Polícia Interino – Fernando Caldeira de Andrade em Relatório datado de 30 de junho de 1893, sobre autoridades policiais da Capital, assim se reporta:
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- “Exercem as funcções de commissario e sub-commissario d’esta capital os prestimosos e dedicados cidadãos João do Prado Lemos, Nuno da Gama d’Eça e Annimbal José de Abreu, cuja actividade, por demais comprovada no exercício de tão espinhosos cargos, merece por parte de vossa honrada e patriotica administração os mais sinceros encomios. De facto só o patriotismo, a dedicação sem limites pela segurança pública, levam a tão nobres caracteres acceitarem tão arduas funcções, onde gastam quasi toda a sua actividade economica com os esforços inauditos, roubando aos seus affazeres muitissimas horas que se consomem muitas vezes com sacrifícios de sua saude e quem sabe, da propria vida. (…)”. (grifo adicionado)
-
Maria Caetana não deve ter reclamado quando José Sebastião saiu do corpo de polícia sendo exonerado a pedido, enquanto ela já esperava a terceira filha do casal.
2.7. Irmãos e cunhados
Maria Caetana e família usufruíam da proximidade física dos familiares mais chegados. De seis dos irmãos de Maria Caetana, há notícia de cinco morando, casando-se e constituindo família nos arredores de Pedras Grandes, como listado a seguir:
- Antonio Caetano de Araújo casou com Lucinda Cardoso de Bittancourt, em 27 de julho de 1901, em Azambuja;[24]
- José Lizenando de Araújo casou com Maria Alexandrina de Jesus, em 14 de julho de 1906, em Azambuja.[25] José Sebastião foi testemunha, Maria Caetana não assinou o documento, no entanto provavelmente era considerada como uma madrinha de casamento.
- Hermínia Lídia de Araújo casou com Isaac Antunes de Medeiros, em 7 de setembro de 1893, em Pedras Grandes.[26] Maria Caetana e José Sebastião foram testemunhas.
- Garcindo Bonifácio de Araújo casou com Maria Feliciana de Jesus, em 5 de fevereiro de 1910, em Pedras Grandes.[27] José Sebastião foi testemunha legal, Maria Caetana não assinou a ata, como no casamento de José Lizenando.
- João Elpídio de Araújo casou com Doralice Rodrigues em 24 de janeiro de 1914, em Pedras Grandes.[28]
Como se nota, Maria Caetana e seu marido foram testemunhas de três destes casamentos: o de Hermínia Lídia, José Lizenando e Garcindo Bonifácio, reforçando a idéia de que ela teria assumido o papel da irmã maior, prestando auxílio e sendo especialmente benquista entre os irmãos mais novos.
2.8. O primeiro grande luto
No inverno de 1911,[5] em 20 de junho,[5] Maria Caetana perdeu o pai, Caetano, a quem havia homenageado com o segundo nome, que faleceu de pneumonia.[5] Maria Caetana tinha então 38 anos e dez filhos, e estava possivelmente grávida de um décimo primeiro rebento. Apesar da tristeza de Maria Caetana, é fácil imaginar como a vida, o cotidiano intenso e as dificuldades em pouco tempo a tenham absorvido, sem talvez ter-lhe permitido um período mais prolongado de luto.
2.9. Momento histórico
Assim como José Sebastião, Maria Caetana viveu em época de importantes mudanças no curso da história Brasil. Mais uma vez, assim como no caso do marido, não que para ela tenha feito uma enorme diferença: sua vida, afazeres, situação econômica, seguiram sem grandes mudanças. Mas ela deve ter podido observar – talvez com surpresa, como boa parte da população – a Abolição e a instalação do novo regime republicano, aos 15 e 17 anos, respectivamente.
Também cabe aqui fazer referência ao meu comentário sobre a inserção cultural de José Sebastião, que se aplica também a Maria Caetana:
“Antes de se estabelecer em definitivo em Tubarão, José Sebastião Maria Caetana e família viviam na localidade de Oratório, em Orleães. Os sogros pais, com quem deve ter tido contato mais freqüente do que com os próprios familiares consangüíneos, moravam na localidade de Palmeiras (atualmente, Pindotiba), também em Orleães. Pedras Grandes e Orleães foram inicialmente colônias destinadas a assentar, na sua maioria, colonos vindos da Itália, Letônia, Polônia, e também – note, também colonos nacionais.
Duas testemunhas de nascimento de seus filhos e uma do seu casamento, por exemplo, eram Antonio Bratti, Jorge Salomão Boabard e Frederico (assinou “Friedrich”) Dönner – que aparentemente seriam imigrantes. Dois de seus filhos receberam nomes muitos mais comuns entre alemães do que entre lusófonos – Adolpho, em 1895, e Lothar, em 1909.
Como explicado anteriormente, ele ela não se autodefinia e nem se apresentava como sendo de origem tão-somente lusitana. Portanto, nada leva a crer que xenofobia ou eurocentrismo estivessem no dicionário de José Sebastião Maria Caetana. Pelo contrário, um dos aspectos interessantes da vida dele dela é a multiculturalidade do seu universo, que estaria ainda hoje à frente de muitas mentes tacanhas.” (riscos e adendos adicionados).
Parte 3: Filha pródiga
3.1. O retorno
Por algum motivo, possivelmente profissional, a família mudou-se para Tubarão. A sede da ferrovia já havia sido transferida para o grande centro desde 1906, mas as últimas pegadas da família em Orleães datam ainda de 1909. Talvez preferissem estar, por mais tempo que pudessem permanecer, mais perto da família, em Orleães; ou talvez, a presença de José Sebastião junto à sede tenha se dado somente mais tarde, talvez após um eventual período prolongado de reparos da estrada nos arredores de Pedras Grandes.
Após o nascimento do décimo filho em Orleães, Maria Caetana ainda teve mais duas filhas, das quais a última, certamente em Tubarão, em 1915. Das memórias desta filha caçula, ficou a imagem da fortaleza de Maria Caetana, pondo sempre em primeiro lugar as atribuições de esposa e mãe.
Em 23 de janeiro de 1922,[29] a mãe de Maria Caetana, Guilhermina, faleceu de “doença da pleura”,[29] ainda no mesmo distrito de Palmeira (atual Pindotiba, em Orleães) – onde morava há decadas. Maria visitava Guilhermina raramente, estando sempre muito ocupada dos filhos e dos trabalhos em casa.[9] As visitas ocasionais requeriam uma viagem relativamente longa, provavelmente a bordo do trem de passageiros da Tereza Cristina.
3.2. Viuvez
Maria Caetana enviuvou às duas horas da tarde de 19 de janeiro de 1931,[30] aos 58 anos e contando 39 anos de casamento. O marido, José Sebastião, faleceu um dia antes de completar 71 anos. No dia seguinte, que seria aniversário do finado, além do sepultamento, aconteceu também a festa de São Sebastião, que ocorre sempre em 20 de janeiro. Em meio a tantos sentimentos simultâneos, Maria Caetana ao menos não estava sozinha: no mínimo, a sua filha caçula tinha ainda 15 anos,[9] e ainda estaria em sua companhia por alguns anos.
3.3. Final
Quase seis anos depois a morte do marido, veio ela a falecer por assistolia,[31] às doze horas do dia 15 de novembro de 1936,[31] em Tubarão,[31] conforme atestado do Dr. Asdrúbal Costa (o mesmo que atestou o falecimento do marido, José). Foi declarante da morte de Maria Caetana o Sr. Julio Victor Rodrigues, ferroviário, em 16 de novembro. Maria faleceu aos 64 anos, deixando vivos os seus doze filhos, espalhados por várias localidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Cronologia
Data, idade na ocasião e breve descrição dos acontecimentos pessoais e históricos ao longo da vida de Maria Caetana
1.o de agosto, 1872 | 0 | Nasce, filha de Caetano Joaquim da Silva Araújo e Guilhermina Silvina de Souza, em Tubarão |
15 de agosto 1872 | 0 | É batizada em Tubarão, afilhada de João Martins Mendonça e Nossa Senhora |
±1874 | ±2 | Nasce o irmão Antonio Caetano, em Tubarão |
25 de julho, 1876 | 4 | Nasce o irmão José Lizenando, em Tubarão |
±1878 | ±6 | Nasce a irmã, Hermínia Lídia |
±1880 | ±8 | Nasce o irmão, Garcindo Bonifácio |
±1881 | ±9 | Período em São Joaquim da Costa da Serra |
±1883 | ±11 | Retorno a Tubarão |
4 de outubro, 1883 |
11 | Nasce a irmã, Honorina, em Tubarão |
1887 | ±15 | Parte da ferrovia é destruída pela enchente do Rio Tubarão |
entre 1883 e 1892 |
±15 | Mudança para Pedras Grandes |
13 de maio, 1888 | 15 | Promulgação da Lei Áurea |
15 de novembro, 1889 | 17 | Proclamação da República |
18 de novembro, 1892 | 20 | Casamento civil com José Sebastião do Nascimento, em Pedras Grandes |
7 de fevereiro, 1893 | 20 | Casamento religioso com José Sebastião do Nascimento, em Pedras Grandes |
14 de junho, 1893 | 20 | O marido é nomeado Tenente em Tubarão |
7 de setembro, 1893 | 21 | É testemunha de casamento da irmã, Hermínia, com Isaac Antunes de Medeiros, em Pedras Grandes |
19 de dezembro, 1893 | 33 | Nasce o primeiro filho, Leovegildo Elói, em Pedras Grandes |
28 de abril, 1894 | 21 | O marido é nomeado Subcomissário de Polícia de Pedras Grandes |
19 de junho, 1895 | 22 | Nasce o 2.o filho, Adolpho, em Pedras Grandes |
5 de julho, 1896 | 23 | O marido é exonerado a pedido do cargo de Subcomissário de Polícia de Pedras Grandes |
2 de novembro, 1896 | 24 | Nasce a 3.a filha, Laura, em Pedras Grandes |
10 de abril, 1898 | 25 | Nasce o 4.o filho, Dimas, em Pedras Grandes |
24 de setembro, 1899 | 27 | Nasce o 5.o filho, João Carlos, em Pedras Grandes |
27 de julho, 1901 | 27 | Casa-se o irmão Antonio Caetano, em Azambuja. |
5 de janeiro, 1902 | 29 | Nasce o 6.o filho, Pedro, em Pedras Grandes |
1902 | 30 | Donna Thereza Christina Railway Company deixa de operar. A ferrovia é adotada pelo o governo brasileiro. |
1.o de julho, 1903 | 30 | Nasce o 7.o filho, Paulo, em Pedras Grandes |
±1904 | ±32 | Nasce o 8.o filho, João, em Orleães |
14 de julho, 1906 | 33 | Casa-se o irmão José Lizenando, em Azambuja. |
±1907 | ±35 | Nasce a 9.a filha, Maria, em Orleães |
29 de outubro, 1909 | 37 | Nasce o 10.o filho, Lothar, em Orleães |
5 de fevereiro, 1910 | 37 | Casa-se o irmão Garcindo Bonifácio, em Pedras Grandes. |
20 de junho, 1911 | 38 | Falece o pai, Caetano Araújo. |
±1911 | ±39 | Retorna a Tubarão |
±1912 | ±40 | Nasce o 11.a filha, Antonia, em Orleães ou Tubarão |
24 de janeiro, 1914 | 41 | Casa-se o irmão João Elpídio, em Pedras Grandes. |
1915 | 42 | Nasce o 12.a filha, Dona Lôra, em Tubarão |
23 de janeiro, 1922 | 49 | Falece a mãe, Guilhermina de Souza. |
±1922 | ±50 | Casamento do filho João Carlos, talvez em Canoas, no Rio Grande do Sul |
19 de janeiro, 1931 | 58 | Falece o marido, José Sebastião |
15 de novembro, 1936 | 64 | Falece por assistolia, ao meio-dia. |
Agradecimentos
Primeiro, obrigada ao meu pai, por ter sido meu companheiro de pesquisas, documentação e preservação. À Dona Lôra e família, muito obrigada pelas informações preciosas e inéditas.
Mas principalmente à Maria Caetana, deixo aqui meu agradecimento sem dimensões, por, em consequência da vida que viveu, ter sido a minha primeira bisavó, através do seu décimo filho.
Profundamente, literalmente:
– Obrigada pela existência.
Da bisneta Helga, em fevereiro de 2015.
–×××–
Veja também:
- Tubarão antigo
- Conhecimento Geral – Tubarão antigo
- Tubarão Suas Memórias
- Memorial Tubarão
- SkyscraperCity: IceClimber em Pedras Grandes
- Diário do Sul: Nas páginas da História
Fontes
“Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999,” images, FamilySearch Registro de Casamento Civil de José Sebastião do Nascimento e Maria Caetana de Araújo, Images, FamilySearch. “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999,”: Pedras Grandes: Pedras Grandes: Matrimônios 1892, Jun-1913, Jul: imagem 4 de 206.
Obrigado por divulgar a historia desta Sra. Minha avo, ainda viva, Sinira Araujo Goulart, e sobrinha de Maria Caetana, filha de Garcindo Bonifacio de Araujo e Maria Feliciana de Jesus:
Garcindo Bonifácio de Araújo casou com Maria Feliciana de Jesus, em 5 de fevereiro de 1910, em Pedras Grandes.[27] José Sebastião foi testemunha legal, Maria Caetana não assinou a ata, como no casamento de José Lizenando.