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Dwellings, de Linda Hogan

Salve!!

Quantas vezes já me perguntei, afinal –

— de quantas histórias somos feitos? —

"Redwood Cathedral", Sean O'Gara, 2013.Via SavetheRedwoods.org.“Redwood Cathedral”, Sean O’Gara, 2013. Via SavetheRedwoods.org.

Para hoje, deixo aqui esse lindíssimo poema de Linda Hogan, o qual prefiro não me atrever a traduzir.

◊◊◊

“Walking, I can almost hear the redwoods beating. And the oceans are above me here, rolling clouds, heavy and dark. It is winter and there is smoke from the fires. It is a world of elemental attention, of all things working together, listening to what speaks in the blood.

Whichever road I follow, I walk in the land of many gods, and they love and eat one another.

Suddenly all my ancestors are behind me. Be still, they say. Watch and listen.

You are the result of the love of thousands.”

~ Linda Hogan

As "rolling clouds", (nuvens onduladas). Foto: data e autor desconhecidos, encontrada em ShowViral.com

As “rolling clouds“, (nuvens onduladas). Foto: data e autor desconhecidos, encontrada em ShowViral.com

◊◊◊ Somos feitos do amor de milhares. ◊◊◊

Att,

helga~Helga.

Slogan para o Brasil, ano 2016

Salve!

◊ Este é um registro do momento, destinado às minhas filhas, no futuro. ◊

“Brasil:
O último que ficar apague a luz.”

Esta frase genial não é minha: veio do meu irmão, com seu humor ácido e peculiar.

(E este tio de vocês é, minhas filhas, de um humor irresistível, afiado, mesmo que cada riso seja ao mesmo tempo um leve golpe no estômago).

Queria dizer para minhas filhotas, minhas bonecas, sendo criadas aqui no conforto do velho continente, algo sobre a nação de onde vieram seus pais. A nação que eu ainda considero minha:

♣ A Terra Brasilis!…

… em 2016:

Estava o país inteiro assolado por muitos males. Mas o pior deles era a incompreensão deliberada. (Ou como colocaria a filósofa Márcia Tiburi: “a burrice“).

Era um ímpeto raivoso de destruição das diferenças, de desqualificação do discurso alheio, de desrespeito, de ignorância, truculência, violência, de raiva. Quando digo raiva não pretendo ilustrar uma raiva qualquer, mas sim a raiva doentia de um cachorro louco.

Data e autor desconhecidos. Encontrado em SetPanoramico.com.br

Data e autor desconhecidos. Encontrado em SetPanoramico.com.br.

… E o Brasil feito de cachorros loucos

Não era mais o Brasil que eu conhecia.

Não era um Brasil que se compreendia. Não era um Brasil com o qual havia qualquer diálogo.

Havia crise econômica (dessa já havíamos visto, e tantas), uma crise política (como não se houvera antes visto), uma crise social (como não seria possível imaginar – e não estou exagerando). Havia Zika, havia a perspectiva de vexame ao sedear os Jogos Olímpicos, havia Lava Jato, Odebrecht, Panama Papers, e um processo de impeachment vergonhoso pelo seu caráter absolutamente maquiavélico. Porque na prática não existiam mais regras, exceto uma:

…os fins justificam os meios.

Havia coxinha e pão com mortadela, e milhares e milhões de brasileiros, saindo às ruas ou de vermelho ou com a camisa da CBF (este símbolo de moral ilibada). Havia panelaço e mortadelaço, havia mentiras, havia memes, havia meias-verdades e sobretudo, havia briga. Havia uma política futebolizada, onde não cabia qualquer racionalidade.

 

SEM CHANCE (Vide o longa Carandiru). Foto encontrada em DonoDaBola1903, "Um Boi Sem Chance".

SEM CHANCE (Vide o longa Carandiru, 2003). Foto encontrada em DonoDaBola1903, “Um Boi Sem Chance”. Data e autor desconhecidos.

 

E havia, é claro, desespero, incerteza e incredulidade, pelo modo como essa avalanche rapidamente se desenrolava a olhos vistos, e não se poderia prever quanta destruição este desmoronamento causaria.

Havia também, como não poderia nunca faltar no Brasil – havia Humor. Uma pontinha de orgulho, algo que era para mim extremamente reconfortante advinha do contato com este Humor, que me fazia lembrar do Brasil a que eu pertencia.

 

Reunião de Energência 3, A Delação 2. Porta dos Fundos, 2016.

Reunião de Emergência 3, A Delação 2. Porta dos Fundos, 2016. Capturado por Helga.

Eu coloquei vocês para dormir, minhas filhas, saí de fininho, e apaguei a luz.
♥ ♥ ♥
Chico Buarque de Orlando, de Marcelo Adnet. "Pao, parcela pra mim esse Nike". Rede Globo, 2016.

Chico Buarque de Orlando, de Marcelo Adnet. “Pai, parcela pra mim esse Nike”. Rede Globo, 2016.

Att,

helga~Helga.

 

 

Eu sei o que vocês fizeram no século retrasado

Salve!

Quantas vezes ouvi falar dos antepassados de alguém de uma forma idealizada e completamente positiva – afinal, morreu, virou santo…! Eu suspiro.

~ “Mas… E se meu tataravô foi um canalha?” ~

Com mais freqüência do que gostaríamos, nós – os que preferem estudar a fundo a trajetória de cada antepassado, ao invés de simplesmente colecionar nomes e datas – nos deparamos com realidades desagradáveis do passado. Ao pesquisar em antigos jornais e arquivos, estamos nos sujeitando a encontrar algumas verdades que desmentem as fábulas de família e nos desafiam a incorporar os piores momentos de nossos ancestrais na nossa psique, na percepcão de nossa história individual e de nossa identidade construída através das gerações.

O que fazer quando desenterramos tabus que atravessaram gerações – e somos nós os únicos vivos para digeri-los? Assim como relutamos em aceitar nossas próprias falhas, vivemos numa realidade social em que as aparências contam muito, e podemos nos sentir diminuídos pelos nossos lapsos aos olhos da sociedade. O mesmo sentimento pode ocorrer em relação às falhas de nossos antepassados. Pode acontecer com qualquer um – e aliás, é provável que aconteça – de encontrar os fantasmas das desavenças em família, de dificuldades financeiras, filhos ilegítimos, casamentos involuntários, crimes, rejeições, vícios, violência. Alguns comportamentos, que eram perfeitamente aceitáveis, e talvez até desejáveis há algum tempo atrás podem ser hoje motivo de constrangimento.

E então, confrontados com as mazelas de nossos predecessores, vamos julgá-los e condená-los, mesmo sem nunca tê-los conhecido? Vamos tentar repreendê-los, mesmo que postumamente, sem nunca tentar compreender as circunstâncias, sem nunca tentar o exercício dificílimo de nos colocarmos no lugar de alguém que viveu em outra realidade e outro momento histórico, há décadas ou centenas de anos?

Pessoalmente, acho que não. Porque renegar a existência de um ancestral pouco nos ajuda, se no processo essa negação acaba por nos privar da conexão com os seus feitos positivos, que podem ser fonte de inspiração e fortalecimento. E varrer o que nos desagrada para baixo do tapete nos priva de aprender com os erros de nossos antepassados. Erros que, aliás, não precisamos repetir. Somos todos imperfeitos – e todos temos traços de comportamento de seriam considerados reprováveis para outros de nossos familiares, que nos olham ou olhariam de outra perspectiva, diferente da nossa.

Nada pode mudar o passado. Mas compreender que existem mil tons de cinza entre o preto e o branco, e que todos temos nossos piores e melhores momentos, está a nosso favor para tratar nossas feridas – sejam os vestígios de dores antigas que herdamos, sejam as feridas abertas por nós mesmos.

Alguém já ouviu aquele ditado:

♣ “Acontece nas melhores famílias” ?

Pois é. ♣

Para pensar positivo, vale também ler:

♦ As vidas ♦

Elementar, meu caro Watson.

Elementar, meu caro Watson. Via Derek Winnert

Att,

helga

~Helga.

Um olhar sobre Estocolmo

Salve!

Esta é uma entrevista sobre o espaço urbano de Estocolmo…

que respondi por escrito ao amigo Ricardo Romanoff. A publicação original está aqui. É preciso dizer que o texto foi editado, corrigido e atualizado ortograficamente por um profissional da escrita – coisa que eu não sou…

*Nota (i): Foi usado meu nome mundano (Ana Rocha) ao invés do meu nome virtual Helga, que considero ser o meu nome de lazer : )

••Nota (ii): Fico devendo um post com minhas impressões mais pessoais da cidade. Um dia, minha filha talvez queira ler ; )

«

Ana, durante o período em que você viveu em Estocolmo, o que mais chamou atenção na relação das pessoas com o espaço urbano?

Chamam atenção a liberdade de ir e vir, a facilidade de acesso à natureza, o respeito pelos espaços públicos e um sentimento de propriedade coletiva, implicando tanto direitos como deveres. Numa esfera menos óbvia, aos poucos percebi vários paralelos entre a cultura da Suécia e a organização da cidade. Para citar apenas um deles, a tensão entre o conservador e o vanguardista se manifesta na vida social, assim como na arquitetura. Podemos por exemplo citar Gamla Stan e Sergels Torg: o centro medieval e o centro modernista. Sergels Torg, em seu estilo internacional, foi a modernização radical de uma área preexistente. A charmosíssima Gamla Stan estava na mira da reconstrução total desde o oitocentos, mas a persistente resistência popular evitou a sua completa remodelação até ser declarada patrimônio histórico, em 1980. O conflito social entre a tradição e o desejo de modernizar está, então, também representado no espaço urbano.

 

 Acima: Gamla Stan e Sergels Torg.

De que forma você acha que a arquitetura e o planejamento urbano da cidade favorecem trocas entre os habitantes?

Estocolmo, como qualquer grande cidade europeia, oferece grande variedade de espaços públicos e equipamentos urbanos que buscam facilitar o convívio, tais como parques, mercados, zonas pedonais, centros de lazer, teatros, museus, arenas e centros culturais, para citar alguns. A maioria destes está nas zonas mais centrais da cidade. Mas se nos voltamos para os subúrbios de Estocolmo, que é a realidade da maioria dos moradores, dois aspectos do planejamento urbano são notáveis, um pelo fracasso, outro pelo sucesso.

Começando pelo negativo, a criação de subúrbios inteiros dedicados à moradia de exilados políticos estrangeiros, estratégia abertamente criticada na sociedade, agravou a segregação cultural preexistente e ainda é uma questão a ser resolvida. Mas um aspecto excelente do planejamento urbano é a inserção sistemática de bibliotecas públicas em cada vizinhança. Qualquer morador de Estocolmo está próximo de uma biblioteca que não só armazena livros, mas oferece espaços de reunião, livre acesso à internet e vastas coleções de toda sorte de mídia. Amigos, colegas ou estranhos ligados por um grupo de interesse podem se encontrar em bibliotecas, pequenas ou grandes, centrais ou suburbanas.

Maquete de Estocolmo, exposta na Kulturhuset.

Maquete de Estocolmo, exposta na Kulturhuset (Casa da Cultura). Usada na divulgação da publicação original nas redes sociais.

Como é a experiência de viver em uma cidade formada por ilhas?

Como as ilhas são muito bem conectadas por várias formas de locomoção urbana, não há problemas, só vantagens. A navegação é, claro, muito favorecida, oferecendo a conexão entre ilhas por via fluvial, rotas turísticas, viagens para os arquipélagos e até cruzeiros internacionais, espalhados por vários portos e píeres. As opções de lazer são muitas, e assim os esportes como paddleboarding, caiaque, remo, pesca e os banhos de sol não são nada incomuns. O acesso às águas está ao alcance de todos: por exemplo, em um apartamento onde morei, em Södermalm, a vaga para um barco no píer mais próximo já estava incluída no aluguel; já uma permissão para estacionar um carro na rua da frente, não. Eu passava por pontes com vistas maravilhosas todos os dias, podia passar a hora do almoço em um agradabilíssimo bar flutuante ou simplesmente sentada saboreando a vista no passeio à margem d’água, como fiz muitas vezes. Não poderia dizer outra coisa senão o seguinte: que, para mim, viver nas ilhas no encontro das águas do mar báltico e do lago Mälaren foi de uma irrecontável beleza.

O design escandinavo é conhecido no mundo todo. De que forma ele está presente no dia a dia da cidade?

A massificação do design de boa qualidade – se não exatamente inovador ou genial – é a grande contribuição da Suécia, mais notadamente no mobiliário e na moda. A democratização do bom design, viabilizada pelo uso eficaz e inteligente de recursos, é um dos muitos reflexos práticos dos ideais igualitários do país. Outra característica cultural da Suécia é a busca do equilíbrio perfeito através do consenso: para a qualidade daquilo que atinge esta perfeita moderação, a língua sueca tem uma palavra específica e intraduzível, chamada “Lagom” – um valor idealizado a que também aspiram a arquitetura e o design. Assim, nas repetitivas e austeras construções de Estocolmo, onde muito raramente algum edifício é chamativo, mas também onde raramente há aberrações de inserção urbana, se concretiza o receio das diferenças e a busca obsessiva pela uniformidade aprazível.

Como quase tudo, essa manifestação de monotonia traz pelo menos duas consequências não antecipadas – e ambas vantajosas. A primeira, é o design de interiores. Na vida social, o egoísmo que é tão reprimido no âmbito coletivo se manifesta na esfera íntima – e no design, também. Assim, é na intimidade do lar que se faz transparecer a intensa sensibilidade e capacidade criativa da Suécia, equilibrando com invejável e inerente maestria o universal e o peculiar, o vazio e o acolhedor.

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Alguns trabalhos que representam bem o estilo escandinavo, por Style Studio: Interior and Styling by Anna Mård.

A segunda é a apreciação da natureza, a cujos espetáculos diários são permitidos em muito ofuscar a arquitetura discreta da cidade. No cotidiano de Estocolmo, gestos arquitetônicos sutis são desinteressantes se comparados à beleza natural da cidade, em suas ilhas montanhosas, penínsulas e istmos, emoldurados pelo surpreendente e intenso azul do céu.

Por fim, há quem diga que, de alguma forma, seguimos vivendo em certos lugares, mesmo quando estamos distantes. O que de Estocolmo fica guardado com você?

O que ficou em mim é intangível, é imaterial. As pessoas. Meus amigos e nossas conversas. As paisagens, as sensações, as estações, os rituais, a língua, a brisa na ponte de Slussen. Encontros. As festas, que são todo um capítulo à parte na memória. Os extremos: dias curtos, noites sem fim; dias sem fim, noites mal anoitecidas. Esperar para dormir ao escurecer, e acabar por não dormir. A vista de um certo amanhecer de verão, de uma tarde que nunca chegou a ser noite, e a cor indescritível do céu salpicado de balões sobrevoando a cidade, na madrugada em que minha filha nasceu.

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Vista de Estocolmo durante o festival de balonismo. Encontrado em Hot air balloons are a common sight in the summer. Photo: Jeppe Wikström

Vista de Estocolmo durante o festival de balonismo. Encontrado em VisitStockholm.com. Photo: Jeppe Wikström.

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Att,

helga~Helga.

O hospital de Södermalm, Estocolmo (Södersjukhuset), em 1951.

O hospital de Södermalm, Estocolmo (Södersjukhuset), em 1951. Wikimedia Commons.

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As vidas

~ Este é um pensamento para um amigo que acaba de sofrer uma grande perda. ~
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Por mais longo que seja, o tempo entre lutos nunca é longo o suficiente. Desta vez, é o pesar inesperado e repentino de um amigo que me faz recordar as circunstâncias do meu luto mais recente, para o qual a genealogia foi mais do que um alívio: foi, e ainda é, uma forma de terapia.

Para refletir que o mero reconhecimento da existência prévia de nossos ancestrais pode nos fortalecer, deixo aqui um lindíssimo poema de Pablo Neruda, do livro Los Versos del Capitán.

–– ♣ ––

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Las vidas

¡Ay que incómoda a veces
te siento
conmigo, vencedor entre los hombres!

Porque no sabes
que conmigo vencieron
miles de rostros que no puedes ver,
miles de pies e pechos que marcharon conmigo,
que no soy,
que no existo,
que sólo soy la frente de los que van conmigo,
que soy más fuerte,
porque llevo en mí
no mi pequeña vida
sino todas las vidas,
y ando seguro hacia adelante,
porque tengo mil ojos,
golpeo con peso de piedra
porque tengo mil manos
y mi voz se oye en las orillas
de todas las tierras
porque es la voz de todos
los que non hablaron,
de los que non cantaron
y cantan hoy con esta boca
que a ti te besa.

~ Pablo Neruda »

 

 

∞  a vida continua  ∞

Meus sentimentos,

~Helga.